quarta-feira, 16 de dezembro de 2009

Natalzinho

Marina tem quatorze anos, peitinhos bonitos e não gosta do natal. Pobre dela. É só chegarem as festas e pronto. Uma coisa. Lembra do pai morto, a menina. Antes era pior. A parentalha de longe vinha toda, um tal de come e fala, gente dormindo na sala, o tio que lhe abusava e ninguém via. Presente mesmo só ganhou foi duas vezes. Ursinho de pelúcia quando muito pequenina, depois um bebê. Detestou esse. Tanto que se pôs a furar os olhos da boneca com um prego, queimou as mãozinhas de plástico no fogão. Mas hoje não, hoje dói menos. O tio que com ela se trancava no banheiro enriqueceu. Agora vai todo mundo pra lá, pra vivenda desse tio. Fica Marina em casa; fica o natal mais longe. “Que bom que nem árvore tem aqui”, pensou. Só ela na sala, ela e a avó que tem de tomar conta. Velha filha da puta. É louca agora, antes não era não. Via tudo e não dizia nada. Filha da puta, essa velha.

Marina deitada na cama lendo revista. Da sala vêm as tosses. De engasgo, parece. Pigarro mata? Quanta tosse, gente. No quarto: vira uma página, depois outra. Um silêncio cumprido. E a menina abraça a almofada rindo ansiosa: “Será este o natal de minha vida?”

Ai, que delicada essa florzinha. Sabe quando se passa os dedos por cima da roupa mesmo? Hum... Vontade de ficar brincando ali até deu, só que junto veio um enfado, algo assim. "Disso eu já me cansei." Indo pra cozinha, resolve dar uma olhadela na avó, recostada na poltrona, parada feito pedra. Um ronco. “Droga.” Da garrafa – mocinha tomando no gargalo é uma poesia – escorre pelo pescoço o fio de leite. Guardou um bocado na boca e foi cuspir na pia, aos poucos, pra ver o rastilho branco fugindo, fugindo... Fita o ralo por um segundo ou dois, se lembra que tem muita coisa morando no escuro. Calorzinho trepando pelas costelas. Quis e fez: se tacou numa blusa de alcinha, subiu nos chinelos, desembestou-se pra fora. Resoluta. Tinha de ser com alguém que não gostasse do natal.

– Na rua numa hora dessas, ainda mais hoje... A menina não tem família?
– Bem que gostaria – pausa – de não ter.

Olhou em volta: garrafas de bebida, assentos vazios, tevê, torresmo, tristeza, videopôquer. O natal é mesmo uma merda, deixa tudo que já é ruim pior.

– Sei. Quer um trago?
– Por favor.
– Que é menor tá na cara. Quantos?
– Acho que três doses está bom.
– Quantos ANOS, meu amor?
– Sei das coisas, já. E você?

Braço grosso, com muito cabelo. A menina alisando o pêlo do homem. Onde mesmo foi parar aquele ursinho?

– Quase um cinco e um zero.
– DAS COISAS. Você sabe das coisas, moço?
– Parece que sim – respondeu se ajeitando ali dentro, o espaço ficando pouco.
– E coragem?
– E pai?
– Tem não. Tem é um lugarzinho ali... Não falta é lugar.
– Nem pecado.

Marina deitada na cama outra vez. Já passou. Gozado ele não estranhar a decoração da poltrona. Entrou, fez, e não se demorou a sair. Melhor. Era Roberto? Carlos? Algo que lembrava fim de ano. Noel que não era, credo. A menina brincando com o sanguinho nos dedos. O sorriso agora era calmo, quase feliz. Pensou no pai. Rezou peladinha. E enquanto isso, na sala, a velha urinava nas calças.

quinta-feira, 26 de novembro de 2009

Diacetilmorfina

Um quente se espalhou na barriga. A cara branca, fria, as pernas assim, ó, molinhas. Não dava pra disfarçar, não... "Ta na hora do moleque", ele ouviu. Daí foi uma suadeira. A mão tremia a brasa do cigarro, ponta laranja desenhando frase no ar: to me cagando, to me cagando inteiro. Mas tinha também um orgulho, altivez frente a um fatalismo. Iniciações..."Podia passar logo", pensou. "Amanhã vem a parte boa." O garoto quer fazer inveja, meter o dedo no pau e tacar no nariz do colega, contar vantagem. "Cheiro de xoxota de ontem. Tu já fudeu? Tu é virgem? Tu é viado? Filhinho de mamãe? Xô cumer seu cu, então." Etc. Entrou no carro. O menino: "Essa não é a minha primeira vez. É que..." A moça: "Eu também não sou puta." Quando a boca é quente, os outros somem. O menino: "Gozei." A moça: "Eu sei." Isso sim é uma pica, isso sim é uma buceta descendo nela, isso sim é um Del Rey, isso sim é a Avenida Atlântica... Hein? Trepar gostoso é uma concretude às avessas. Chega dissolve o mundo. O menino: "De novo." A moça: "Fofo." O menino cresceu. Até hoje, em vão, ele procura nas namoradas a cumplicidade daquela puta. Deseja olhar para o púbis das mulheres, encontrar o mesmo tesão. Quer, depois de transar pra não morrer, se sentir um herói. Não dá. Tudo em vão. Ele pensa, fica lembrando. O menino: "Eu te amo." A moça: "Dorme, meu anjo."

terça-feira, 17 de novembro de 2009

Pregoetas

“Amo-te mais do que qualquer coisa...
...mesmo não sendo você a minha preferida.”

(Primeiro, um tapa. Depois, um silêncio.
Que costuma durar por mais ou menos duas semanas)

Com as mulheres, não se pode ser sincero nestas direções.
Mesmo que a sinceridade soe bonita na frase.

Com os homens também não. Assim me disse um amigo cruel.
Mas ele voltou com o namorado. Passadas duas semanas, aproximadamente.

Temos de aprender a compor pra dentro, nós, os poetas e poetisas.
Não no caso dos poemas bonitinhos, obviamente.

***

Já se foram muitas semanas e ela não voltou. Voltou foi uma outra.
Minha nova-antiga namorada me disse: “Enfie a boemia no cu.”

Receio que minha nova-antiga namorada tenha se afeiçoado às letras nesse meio tempo.
Eu posso com isso? Joguinhos com a minha teoria sobre redução de danos...

segunda-feira, 16 de novembro de 2009

Influenza

“Esforça-te. Talhe uma canção ímpar, de tom próprio.”
Assim me ensinaram.
Péssimo aluno eu
que permito a intrusão dos fonemas
Ritmos, a porra toda.

Dos autores:
Os pequenos inspiram, os grandes invadem.
Isso, percebi sozinho.
Mas pode ser um equívoco da minha parte.
Daquela parte que já vos falei
A que não dá para estudante.

Quanto mais eu leio, mais escrevo.
Se não leio, escrevo pouco.
Ou não escrevo.
(E isto não é bom. Nem para meu projeto de ser um idiota,
nem para o de não o ser.)

Que tal um leitor cretino? “Não pode.”
O que me diz de um pachorrento criativo? “Não pode.”
Isto é,
a meia preguiça me é impossível.

E
ao que parece
a originalidade também.

Por isso decidi
pela singularidade no silêncio.
(não falo de uma acuidade discreta,
nem de fechar a boca por sabedoria, o que soaria por demais chinês.)

Existe um silêncio que vem sem querer (tagarelatagarelatagalrela)
E nele sim, sou único.
Mas é sem querer. Daí que “decidir” é um exagero.
Talvez seja uma questão de resignação.
E quem repara mais nisso são os outros.
Como me masturbar com esse aparelho?
Ficam a me apontar: “Vejam! É um louco, um idiota!”

Paira pelo planeta uma receita milenar que requer precisão.
E muito esforço. Infelizmente-felizmente-vaipraputaqueopariu,
mesmo não sendo um vagabundo (½ preguiça em falta),
me sobra algo de poeta.

Ser idiota, terceirizar preocupações. Traz uma paz...
Entretanto, falar sobre isso me exige o seqüestro de um e de outro.
Perceberam? É inútil.

sexta-feira, 6 de novembro de 2009

Michael Caput Orbi Est

Primeiro de novembro de dois mil e nove: morre o Michael Jackson da antropologia. “Mkawa ypxu ptuá açu hawirí”, diriam os silvícolas do Mato Grosso – ou quem sabe nem isso. Cruzou os mares e se arredou em Sampa – a Goiânia mais grande do Brasil –, na incipiente cUSPe dos anos trinta. Pai de um método etnográfico tão gonzo quanto meu dicionário Tupi/Macro-Gê, provou por A mais B estarem nos critérios de fornicação a verdadeira origem das sociedades; Quanto ao carnaval, deixou DaMatta no chinelo ao publicar “Do Mé às Cinzas”; Transformou a palavra “estrutura” num pesadelo capaz de arrepiar os cabelos do cu do mais sábio e capacitado dos engenheiros; Fez-se pioneiro de uma nova e inusitada ciência, a geo-odontologia – saber esse que teve como primeiro objeto, Caetano sabe muito bem, a Baia da Guanabara. Em fim, das valsas aos jeans, Lévi-Strauss foi realmente um monstro.

Porém, até o mais fofo dos ursinhos carinhosos possui um lado podre. Claude carregava nas costas dois processos por plágio. Um deles era relacionado ao título “Tristes Trópicos”: Felisberto de Albuquerque Moura Neto, poeta parnasiano modernista de origem portuguesa, autor de “Bebo, bebo, bebo, cago água e continuo bebendo” e “A Tevê Tupi dominará o Brasil”, havia lançado uma obra homônima dois meses antes da edição francesa. O outro, movido por Antônio Bento da Silva, mateiro e ex-assistente de Roberto Cardoso de Oliveira no encontro com os Tükúna, acusava o antropólogo Belga de ter copiado descaradamente do nunca concluído “Os índios também pensam” inúmeras idéias que compuseram “La pensée sauvage”. Em ambos os casos, todos os envolvidos – com exceção do processado, obviamente – foram pegos pela senilidade ou morreram por causas naturais, incluindo o juiz, as testemunhas, advogados e por aí vai. Tendo sido os arquivos devorados pelas traças, tudo que resta é história oral, deturpada como todo telefone sem fio, mas nem por isso pouco crível.

Um outro aspecto ainda não revelado de nosso ilustre pensador é o seu talento na cama. E também na esteira, e nas redes, no alto das bananeiras... A filha do cronista e colecionador de narrativas amorosas inter-étnicas Clóvis Santarém, aposentado do extinto SPI, guardou do pai valiosos escritos que, conforme o prometido, somente deveriam vir ao conhecimento público após a morte de L. Strauss. “Não é o tamanho da regra, mas a relação que ela proporciona” afirma ter aprendido com o viril etnólogo a índia K’ru Kutca (“Anta Cansada” na língua Bororo), amante dileta do vovô Lévi(ano) – terá sido criança algum dia esse senhor de cabelos brancos? Creio que alguns nomes são próprios para quem já nasceu velho. Segundo conta, deu a luz à nove curumins caboclos lindíssimos, entretanto, em razão de certas hereditariedades – como a miopia e o gosto pela interpretação dos mitos –, nenhum deles muito aptos ao arco ou às pajelanças. Em posterior visita ao Brasil, o pai, temendo o suicídio anômico de sua prole, convenceu os filhos, que, após se mudarem para a França, abriram em sociedade familiar a Tucandeira Chocolatiers.

A simpatia era uma de suas maiores marcas, diziam. Sei, sei... Eu, pessoalmente, confesso que mal posso esperar pela publicação de seus diários secretos, cadernos de campo como aqueles do Bronislaw, repletos de apontamentos sinceros em demasia: “Nambikwara fedida do caralho”, “Selvagens truculentos, só comem mandioca” etc, etc. Mas de que importa? Se o cara é O cara, prestemos as homenagens! Assim como ele, já se vai o Niemeyer, o Michael Jackson da arquitetura, e já se foi o Michael Jackson, o Michael Jackson do universo – esse sim um gênio, injustamente levado sem o direito de cumprir cem anos. Quer dizer então que estamos a limpar os armários para que, aos poucos, cheguem os gênios do séc. XXI? Que estes sejam prósperos e criativos, sobretudo ambiciosos, que batam os recordes da Antropologia estrutural 1, 2, 3, 215, 743. Que vençam em audácia a sede do partido comunista francês, o congresso nacional, a catedral... E só. Porque thriller, todos sabem, é insuperável.

segunda-feira, 26 de outubro de 2009

Iceberg, right ahead!

Não encontro na rabugem uma estética propriamente dita, mas, sobretudo por razões de saúde, estou cada vez mais convicto da necessidade de se atribuir um tom poético emergencial às impertinências que me cercam. Ora, não deveria passar o esgoto por um tratamento antes de ser lançado aos cardumes? Não deveríamos adotar o “rir pra não chorar” como aforismo mor sobre a eficiência das ironias e resignificações enquanto estratégias de sobrevivência? Pois bem. A gênese de meu psicopata interior – ou pelo menos boa parte de sua maturação – se deve ao profundo desprezo que nutro por uma considerável parcela de meus conterrâneos. Em contrapartida, do exaltar desta malquerença me brota certa estabilidade, uma santa barreira ao acting-out. Do mau-humor à cólera, encontro nesse meu novo personagem favorito, portador duma usina de mil cânceres, o caminho para meu bem estar espiritual. Sinceramente, nunca me orgulhei tanto de querer matar a todos. E também nunca estive tão certo de ser um cidadão de bem.

Não sei por que diabos venho me tornando sensível à falta de cordialidade, este valor anacrônico que de nada parece servir aos habitantes de um órgão burocrático equivocadamente tomado por “cidade” nos últimos quarenta e nove anos. “Pode ser que Brasília não seja uma ilha de gelo em pleno paralelo quinze, que baste um empurrãozinho para que as picuinhas da interação candanga se dissolvam no calor deste enérgico cenário de tantas possíveis amizades duradouras...” Argh! Se tudo é uma questão de estímulo, sustento que o clitóris da simpatia autóctone é do tipo fugidio. Pelas bandas de cá, é relativamente fácil manter as intimidades – a falta de opção é sempre uma boa justificativa para o feijão-com-arroz. Quase todo afastamento ou perda de contato é premeditado, possui suas razões sensatas: sim, o potencial de desencontro de nossa urbe é praticamente nulo. Quanto aos anônimos, por outro lado, parece existir um foda-se mútuo, nada de muito doloroso, mas que sem dúvida compromete o estágio seguinte de aproximação, confere às “relações meio de caminho” a inconfundível frigidez regional. Aqui, os apenas “conhecidos” têm por prática a fantasmagorização, um esporte incentivado sabe-se lá se pela preguiça ou pelo Alzheimer. É curioso como uma enfermidade social pautada na esterilidade obtém sucesso em seu projeto de reprodução: ultimamente venho considerando a possibilidade de um mimetismo, o de também adotar a cerca elétrica como modelo político para a boa vizinhança.

A noite passada foi como tantas outras, estive por aí a renovar meus estoques de desapontamentos. Para que o ódio chegue ao cume, é necessário que o primeiro imbecil cruze à sua frente: confluência fatalista de Lao-Tsé com Talião. Assim começa minha empreitada noturna, pois mal chego ao bar e já me atualizam o dialeto, descubro ser o silêncio a mais nova resposta padrão para “Boa noite” – ou estaria eu, de maneira desavisada, freqüentando um antro de boêmios telepatas? Mesa cumprida, disposição curta, e por ai a coisa segue, nojo vai, nojo vem... Olho por olho, dente por dente e ficamos todos entediados. Não me recordo de quantas indelicadezas pratiquei – desculpem-me se a ira me indispõe a contar os coices. É fato que em meio às hostilidades precisamos não só de espinhos nas costas, mas de uma defesa mais ofensiva. Quando me taxam de exagerado, defendo-me alegando que tudo não passa de um recurso estilístico, alego ser toda a minha reatividade nada mais que uma forma lúdica de esquiva.

A cretinice não é um golpe fatal. “É perdoando que se é perdoado”, disse o livro das cabeludas de saia. Embora minha beatitude ande em baixa, martirizo-me na tentativa de quebra do ciclo vicioso; sigo da morbidade daquele bar para uma festa, reparem bem, in-festada pelos mesmos porcos moribundos. Como se chama mesmo aquele remédio para os nervos? Ah, sim... Paciência. Perdi meu frasco no momento em que “interagia” com um rapaz muito educado, mas que, infelizmente, parecia ter faltado a uma imprescindível lição de física, a tal que diz não poderem dois corpos ocupar o mesmo espaço simultaneamente. Teve também a rapariga que, por um trauma – provavelmente em vésperas de aniversariar –, recusou-me a palavra: se não me engano, minha embriaguez fora responsável por alguns comentários jocosos acompanhados pela ligeira inconveniência de uns poucos perdigotos. Viram? Todo mundo erra! Evitar esse tipo de imprevisibilidade, ainda mais em um churrasco universitário como aquele do ano passado, beira o disparate. Procure então a calmaria de um SPA nas montanhas, faça-me o favor! E teve mais aquilo, e aquilo, e aquilo outro.

Mas vejam, nem tudo no inferno são chamas... Ainda na festa, uma jovem estrangeira me cedeu um sorriso de mil léguas! E um antigo colega de classe se dobrou a responder meu “como vai?” com complementos ao monossílabo de praxe. Lançou-me de volta, inclusive, um “E você?”. Entretanto, mesmo estando ao alcance pessoas que ainda merecem pertencer ao reino animal – a tetraplegia é minha maldição favorita –, o mar não estava para peixes. Fui embora. Dei carona para uma amiga minha, uma japonesa – perdendo apenas para os russos, os japoneses serão sempre dignos de minha profunda admiração; essa em especial mais ainda. Na volta, uma palavra doce me deu vontade de respirar. E, já em meu leito, pensando sobre o quanto de dança é necessário para se enfrentar, além do nosso próprio, o lodo dos outros, avistei um inseto no teto. Vocês sabem o que dizem desses bichos, as esperanças? Meus músculos faciais aguardavam de meu coração o resultado de um cálculo evolvendo misticismo e preguiça... Fosse positivo o saldo, teriam esboçado alguma reação. Daí, sem mais nem menos, zaz! Uma lagartixa abocanhou meu artrópode-metáfora...

É osso.

terça-feira, 29 de setembro de 2009

Marquise

A senhora bate, bate
Incomoda
Canto angustiante
Murmúrio de barriga oca

Quando céu reflete asfalto
O frio racha o osso
Papel de letra cobre o corpo
Em leito ruim de pedra dura

Gotas barradas
Teto sem parede
A privacidade veste vidro
E o imundo inventa o lar

Criança sincera
Passa, para, pensa
Veja só, mamãe. Coitada.
A tristeza é quase gente

quarta-feira, 23 de setembro de 2009

Sim

“E você, ________, aceita ________ como seu legítimo esposo?”

“Sim.” (No meio da sentença, um pigarro.)

terça-feira, 22 de setembro de 2009

Blazé Circular

Hoje é o dia. São sei lá que horas da manhã e o céu ta azul, esse azul julho quase agosto. Eu bem que poderia tirar a embalagem de pizza que jaz ali, enformigada, sobre a pilha de classificados velhos. Ou limpar a caixa de areia do gato. Coitado do gato... Quer enterrar as fezes. Mas não pode.

Hoje é o dia. Talvez eu não beba essa noite. Nem esta tarde. Amanhã quero acordar e provar para mim mesmo o quanto que é bom estar sem ressaca. O difícil é que sóbrio eu não me convenço de nada. Já bêbado, como dizia minha ex-mulher, eu fico cheio da razão. Tem leite na geladeira?

Sabe que eu não acredito muito nessa história de esforço? Pois é, não acredito. Não no meu, no dos outros pode até ser. Tudo que eu consegui na minha vida foi fruto do caos. Nunca consegui desenvolver essa coisa da disciplina. Há! Tão aí duas outras coisas em que eu também não acredito: desenvolvimento e disciplina. Eu acredito é na vida. Se o Brasil fosse desenvolvido, talvez existisse por essas bandas aquele seguro que paga melhor que o salário. Se eu fosse disciplinado, talvez não tivesse sido demitido. Mas eu to aqui. Vivo. Não é? Então. Eu acredito é na vida, compadre. E quem é que ta se matando por aí? Os escandinavos e os Japoneses. Dois povinhos desenvolvidos e disciplinados pra cacete... Viva a vida, viva o caos.

Essa casa ta um caos. Não consigo mais viver aqui. Porra! Nem leite tem... Ressaca do cão. Falando em cão, cadê o gato? Olha ali a tv. De manhã tem desenho. Às vezes fico feliz quando vejo o Tom e Jerry. Verdade. Dura quase um soluço... Acabou a pilha. Tenho trocado muito de canais ultimamente. Que cheiro é esse? Sou eu, claro. Tenho me trocado pouco ultimamente. Que dia é hoje?

Têm esse boicote... Meu estômago ta cansado de ser sabotado pelo determinismo geográfico. É. Em Brasília tem rua só de farmácia. Trinta e cinco delas, uma ao lado da outra. Rua só de loja de lâmpada... Ou de aluguel de roupas. Mas não tem a rua das padarias. Diabo. Não tem uma única padaria na comercial ao lado. Nem na de cima. Eu queria morar na rua das padarias se tivesse uma. Ou na rua dos empregos. Na da umidade...

Hoje é o dia. Ainda tenho cigarros. Vou fumar um café da manhã. Nossa... É o fim da picada: um sujeito que guarda esse tanto de fósforos riscados dentro da caixa só pode ser mau caráter. Nunca consegui terminar um isqueiro. Tenho perdido coisas. Mais que o normal. Fogo, emprego, peso... Que fome. Se o homem é o que come, eu também perdi minha identidade. Minha filha esqueceu meu nome. Minha ex-mulher disse que eu nunca consigo terminar nada. Só com o casamento. Minha ex-mulher... Vaca. Bem que podia ter leite nessa geladeira. Seca do caralho...

O bar é aqui do lado. Determinismo geográfico outra vez. Ta bom. Não vou beber... O dono do bar lembra o meu nome. Vou tirar fotocópias dos meus documentos e... É. Perdi minha identidade. Aliás... É hoje mesmo? Não! É ontem. Quer dizer, foi ontem... Merda! Perdi a entrevista... Determinismo cronológico. Minha ex-mulher mente quando diz que não sou um homem determinado. Ah, quer saber... Hoje eu vou beber sim. Oi, gato! Apareceu? Quer ver Tom e Jerry?

segunda-feira, 14 de setembro de 2009

No hay nada, putinha cruel.

De que adianta ensinar às bonecas
A tão correta forma de se espremer os cravos
Se
No meio do passeio
Um motim dissolve a cor que
Acintosamente
Elegemos para nosso equívoco?

Buscam potência, os moinhos...
Embaraçam-nos, pois
Em parva publicidade
Berram nanismo aos quatro ventos

De que adianta fitar os buracos
Na venal compulsão pelo medo do estéril
Se
Por trás de muitos olhos
Um sonido abafa a dor que
Criativamente
Goza com a uberdade da solidão?

(De repente, uma súbita mudança no estilo... Amém.)

Não tem, porra
No fundo daquele par de indecências
Restolho de qualquer verdade
Só vazio

Fim desse caralho

quinta-feira, 10 de setembro de 2009

Brado do Viking Psicótico

Oh, como eu queria
Hidromel com hemorragia
Javali assado, comida boa
Um brinde no crânio das pessoa

Ser pagão, não ir pro céu
Adorar metal finlandês
Grudar um corno naquele chapéu
E enforcar europeu pré-burguês

Caçá-la
Currá-la
Maravilha

Matá-la
Vahala
Valkíria