quinta-feira, 26 de novembro de 2009

Diacetilmorfina

Um quente se espalhou na barriga. A cara branca, fria, as pernas assim, ó, molinhas. Não dava pra disfarçar, não... "Ta na hora do moleque", ele ouviu. Daí foi uma suadeira. A mão tremia a brasa do cigarro, ponta laranja desenhando frase no ar: to me cagando, to me cagando inteiro. Mas tinha também um orgulho, altivez frente a um fatalismo. Iniciações..."Podia passar logo", pensou. "Amanhã vem a parte boa." O garoto quer fazer inveja, meter o dedo no pau e tacar no nariz do colega, contar vantagem. "Cheiro de xoxota de ontem. Tu já fudeu? Tu é virgem? Tu é viado? Filhinho de mamãe? Xô cumer seu cu, então." Etc. Entrou no carro. O menino: "Essa não é a minha primeira vez. É que..." A moça: "Eu também não sou puta." Quando a boca é quente, os outros somem. O menino: "Gozei." A moça: "Eu sei." Isso sim é uma pica, isso sim é uma buceta descendo nela, isso sim é um Del Rey, isso sim é a Avenida Atlântica... Hein? Trepar gostoso é uma concretude às avessas. Chega dissolve o mundo. O menino: "De novo." A moça: "Fofo." O menino cresceu. Até hoje, em vão, ele procura nas namoradas a cumplicidade daquela puta. Deseja olhar para o púbis das mulheres, encontrar o mesmo tesão. Quer, depois de transar pra não morrer, se sentir um herói. Não dá. Tudo em vão. Ele pensa, fica lembrando. O menino: "Eu te amo." A moça: "Dorme, meu anjo."

terça-feira, 17 de novembro de 2009

Pregoetas

“Amo-te mais do que qualquer coisa...
...mesmo não sendo você a minha preferida.”

(Primeiro, um tapa. Depois, um silêncio.
Que costuma durar por mais ou menos duas semanas)

Com as mulheres, não se pode ser sincero nestas direções.
Mesmo que a sinceridade soe bonita na frase.

Com os homens também não. Assim me disse um amigo cruel.
Mas ele voltou com o namorado. Passadas duas semanas, aproximadamente.

Temos de aprender a compor pra dentro, nós, os poetas e poetisas.
Não no caso dos poemas bonitinhos, obviamente.

***

Já se foram muitas semanas e ela não voltou. Voltou foi uma outra.
Minha nova-antiga namorada me disse: “Enfie a boemia no cu.”

Receio que minha nova-antiga namorada tenha se afeiçoado às letras nesse meio tempo.
Eu posso com isso? Joguinhos com a minha teoria sobre redução de danos...

segunda-feira, 16 de novembro de 2009

Influenza

“Esforça-te. Talhe uma canção ímpar, de tom próprio.”
Assim me ensinaram.
Péssimo aluno eu
que permito a intrusão dos fonemas
Ritmos, a porra toda.

Dos autores:
Os pequenos inspiram, os grandes invadem.
Isso, percebi sozinho.
Mas pode ser um equívoco da minha parte.
Daquela parte que já vos falei
A que não dá para estudante.

Quanto mais eu leio, mais escrevo.
Se não leio, escrevo pouco.
Ou não escrevo.
(E isto não é bom. Nem para meu projeto de ser um idiota,
nem para o de não o ser.)

Que tal um leitor cretino? “Não pode.”
O que me diz de um pachorrento criativo? “Não pode.”
Isto é,
a meia preguiça me é impossível.

E
ao que parece
a originalidade também.

Por isso decidi
pela singularidade no silêncio.
(não falo de uma acuidade discreta,
nem de fechar a boca por sabedoria, o que soaria por demais chinês.)

Existe um silêncio que vem sem querer (tagarelatagarelatagalrela)
E nele sim, sou único.
Mas é sem querer. Daí que “decidir” é um exagero.
Talvez seja uma questão de resignação.
E quem repara mais nisso são os outros.
Como me masturbar com esse aparelho?
Ficam a me apontar: “Vejam! É um louco, um idiota!”

Paira pelo planeta uma receita milenar que requer precisão.
E muito esforço. Infelizmente-felizmente-vaipraputaqueopariu,
mesmo não sendo um vagabundo (½ preguiça em falta),
me sobra algo de poeta.

Ser idiota, terceirizar preocupações. Traz uma paz...
Entretanto, falar sobre isso me exige o seqüestro de um e de outro.
Perceberam? É inútil.

sexta-feira, 6 de novembro de 2009

Michael Caput Orbi Est

Primeiro de novembro de dois mil e nove: morre o Michael Jackson da antropologia. “Mkawa ypxu ptuá açu hawirí”, diriam os silvícolas do Mato Grosso – ou quem sabe nem isso. Cruzou os mares e se arredou em Sampa – a Goiânia mais grande do Brasil –, na incipiente cUSPe dos anos trinta. Pai de um método etnográfico tão gonzo quanto meu dicionário Tupi/Macro-Gê, provou por A mais B estarem nos critérios de fornicação a verdadeira origem das sociedades; Quanto ao carnaval, deixou DaMatta no chinelo ao publicar “Do Mé às Cinzas”; Transformou a palavra “estrutura” num pesadelo capaz de arrepiar os cabelos do cu do mais sábio e capacitado dos engenheiros; Fez-se pioneiro de uma nova e inusitada ciência, a geo-odontologia – saber esse que teve como primeiro objeto, Caetano sabe muito bem, a Baia da Guanabara. Em fim, das valsas aos jeans, Lévi-Strauss foi realmente um monstro.

Porém, até o mais fofo dos ursinhos carinhosos possui um lado podre. Claude carregava nas costas dois processos por plágio. Um deles era relacionado ao título “Tristes Trópicos”: Felisberto de Albuquerque Moura Neto, poeta parnasiano modernista de origem portuguesa, autor de “Bebo, bebo, bebo, cago água e continuo bebendo” e “A Tevê Tupi dominará o Brasil”, havia lançado uma obra homônima dois meses antes da edição francesa. O outro, movido por Antônio Bento da Silva, mateiro e ex-assistente de Roberto Cardoso de Oliveira no encontro com os Tükúna, acusava o antropólogo Belga de ter copiado descaradamente do nunca concluído “Os índios também pensam” inúmeras idéias que compuseram “La pensée sauvage”. Em ambos os casos, todos os envolvidos – com exceção do processado, obviamente – foram pegos pela senilidade ou morreram por causas naturais, incluindo o juiz, as testemunhas, advogados e por aí vai. Tendo sido os arquivos devorados pelas traças, tudo que resta é história oral, deturpada como todo telefone sem fio, mas nem por isso pouco crível.

Um outro aspecto ainda não revelado de nosso ilustre pensador é o seu talento na cama. E também na esteira, e nas redes, no alto das bananeiras... A filha do cronista e colecionador de narrativas amorosas inter-étnicas Clóvis Santarém, aposentado do extinto SPI, guardou do pai valiosos escritos que, conforme o prometido, somente deveriam vir ao conhecimento público após a morte de L. Strauss. “Não é o tamanho da regra, mas a relação que ela proporciona” afirma ter aprendido com o viril etnólogo a índia K’ru Kutca (“Anta Cansada” na língua Bororo), amante dileta do vovô Lévi(ano) – terá sido criança algum dia esse senhor de cabelos brancos? Creio que alguns nomes são próprios para quem já nasceu velho. Segundo conta, deu a luz à nove curumins caboclos lindíssimos, entretanto, em razão de certas hereditariedades – como a miopia e o gosto pela interpretação dos mitos –, nenhum deles muito aptos ao arco ou às pajelanças. Em posterior visita ao Brasil, o pai, temendo o suicídio anômico de sua prole, convenceu os filhos, que, após se mudarem para a França, abriram em sociedade familiar a Tucandeira Chocolatiers.

A simpatia era uma de suas maiores marcas, diziam. Sei, sei... Eu, pessoalmente, confesso que mal posso esperar pela publicação de seus diários secretos, cadernos de campo como aqueles do Bronislaw, repletos de apontamentos sinceros em demasia: “Nambikwara fedida do caralho”, “Selvagens truculentos, só comem mandioca” etc, etc. Mas de que importa? Se o cara é O cara, prestemos as homenagens! Assim como ele, já se vai o Niemeyer, o Michael Jackson da arquitetura, e já se foi o Michael Jackson, o Michael Jackson do universo – esse sim um gênio, injustamente levado sem o direito de cumprir cem anos. Quer dizer então que estamos a limpar os armários para que, aos poucos, cheguem os gênios do séc. XXI? Que estes sejam prósperos e criativos, sobretudo ambiciosos, que batam os recordes da Antropologia estrutural 1, 2, 3, 215, 743. Que vençam em audácia a sede do partido comunista francês, o congresso nacional, a catedral... E só. Porque thriller, todos sabem, é insuperável.