quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

O Hímen de Pompéia

Pompéia era uma velha virgem da 416 sul. Oitenta e oito anos e o cabaço lá, soberano. Elsa, a irmã mais velha, chegou a dar: uma vez só, em 1952, para o moço que recolhia garrafas em sua rua. As duas, que moraram juntas a vida inteira, vieram não sei da onde de Minas Gerais e se enfiaram naquele apartamento escuro que era o 101. Havia, na porta dessa residência, uma águia cor de cobre — como a do Terceiro Reich — com uma argola dependurada no bico. Esse curioso ornamento substituía a campainha. Era só triscar no tal enfeite que a porta se abria: Dona Elsa espiava pelo olho mágico ao menor sinal de movimento no hall... Velha noiada aquela uma.

Elsa era a que mandava. Bastava um cisco fora do lugar e pronto, a rabugenta diminuindo a irmã, chamando-a por nomes. Pompéia tinha sempre uma perna enfaixada, um braço preso a uma tala ou coisa parecida. “É a osteoporose, o cálcio vai raleando”, comentavam os vizinhos. Osteoporose uma porra. Enfiava a porrada na caçula, a bruxa. Pergunta: o hímen de uma senhora de idade, com o passar das décadas, vai ficando mais frágil ou mais rijo? Tornar-se quebradiço por desilusão ou teimoso por efeito da inércia? São pensamentos obscuros que tenho...

Certa vez Pompéia ficou presa no elevador. Era uma máquina antiga, um daqueles Schindlers de porta pantográfica. Por ter molhado a saia, a pobrezinha se acanhou e não gritou por ajuda. Três horas depois, tiraram a senhora do calabouço, bem melhor do que se supunha: a cara empapada de suor, na mão uma garrafa de Baré vazia. Haveria um sorriso revanchista por debaixo de todo aquele cansaço? E se, na perspectiva da morte, a velha Pompéia resolveu ceder à tentação de um prazer derradeiro e despertou o Vesúvio a tanto adormecido?

Elsa era enfermeira; para Pompéia sobrou enfermidade. Elsa conheceu o garrafeiro; Pompéia, quando muito, se acalentou com uma garrafa... Entretanto, é aí que está a jocosidade insurgente que tanto custou: Elsa gozou do poder; Pompéia, do poder de gozar.

E mesmo assim, até hoje, o Niemeyer insiste em não decorar as paredes da catedral com afrescos pornográficos... Oh, meu Deus, por que as putas sabem rezar? Por que é que não tem Baré aqui na minha padaria?