sexta-feira, 17 de junho de 2011

Êxodo

Cidade do interior, cada um bem sabe o andar do outro. Nem se carece de quebrar a esquina pra ver o que vem: de certo que é casa assim assada, um rosto adivinhado. O turismo rende bocados, em feriado chega a sair gente pela clarabóia. Lá tem mato e queda d’água, festejo e procissão. E pedrinha, daquela que onda e fissura se embolam numa coisa só.

Tião era um sorriso que ficava ali pra cima, no bar da subida do Carmo. Sempre um punhado de gente no recinto, o povo se esgueirando na sinuca, sorvendo os goles fiados. Eu mesmo casco nunca levei, que por lá sempre foi na confiança. Era chegar e cumprimentar o moço, Tião e seu cigarro de corda no papel de caderno. “Fala, meu querido!”, “Valeu, meu bom!”, e era isso. Não precisava mais pra saber do quão de bem era o homem...

Nesse Brasil não tem um canto que falte alma atrás dum zunido no pensamento, a pedra parece meter o dedo em toda ferida que há. Crack, padre e a bolsa do governo: na família era cada um com seu graças a Deus, e, pro Andrezinho, parece que sobrou da parte pior. Seu Tião tomou conhecimento do vício do filho quando era tarde, o menino já tinha feito tombar pro lado do desvario. Oh, meu Pai... O André ruim que só amarrando na cama. E Dona Elzinha em reza vazia...

Numa dessas que ninguém sabe dizer como, o menino não me saiu pra rua? Andrezinho com os olhos faltantes e uma faca na mão. De maldade não foi, que surto é surto, mas vai querer explicar o porquê para um pai desconsolado... Quando o guarda viu, não tinha mais jeito. André mudo feito beata em sermão, de sangue dos pés à cabeça. Coitado também do pintor de parede: Amaro tinha 56 anos e morreu de graça, picado na porta de casa. Mas mesmo assim, não sei bem explicar, me apiedei foi do assassino. Ah, do pai do pintor eu também tive muita dó. Senhor de idade agüentando a morte matada do filho, um tanto assim de ruga e melanoma abraçando a netaiada aos prantos...

O menino foi levado preso, claro. Mas em cidade pequena, vocês sabem: seu Tião saindo fugido, sem tempo de ajeitar nada. Não tinha terminado nem de pagar o freezer do bar. A mobília do quartinho também ficou. Estória e camaradagem, tudo largado pra trás. Sabe-se lá o rumo a que vida desse um vai tomar...

Eu penso muito na figura do Divino que ficava ali, na parede de fora mesmo — o bar era só uma varanda, nem mesa tinha. Essa rolinha azul, de madeira, que viu tudo paradinha em seu lugar. E ela continua lá. Sólida e impassível como os blocos do chão e os jatobás do caminho...