tag:blogger.com,1999:blog-27576582440015393442024-03-13T04:37:06.109-07:00Fomo inu inu e quando vimo se fomoPor favor... Onde é a saída?Norbert Stranhohttp://www.blogger.com/profile/13756856414397403463noreply@blogger.comBlogger47125tag:blogger.com,1999:blog-2757658244001539344.post-51841188096878170152012-09-13T20:33:00.004-07:002012-11-10T06:51:12.317-08:00Filho, limbo, avô.Três gerações em ronda. Dadas as mãos, o que se tinha era uma corrente de elos perecíveis. O conjunto tilintava no passeio ordinário, desses em que a contenteza sai quase de graça. Foi quando o do meio sentiu fugidio o sorriso de sua própria cara, fato. O pirulito numa ponta, a bengala noutra. Claro: feito pedra em pança, o assaltara a constatação. Essa uma, bem se sabe, de ser a vida curta em demasia.Norbert Stranhohttp://www.blogger.com/profile/13756856414397403463noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-2757658244001539344.post-30165499542919161562012-03-04T09:08:00.001-08:002012-03-04T09:11:03.873-08:00Falta que não vem no sapato— Ai... Que aqui me aperta tudo, ó, é um bolo de coisa na barriga, na garganta, sei lá.<br /><br />— E dói feito como? De doer o tempo todo ou só quando lembra?<br /><br />— É estranho. Tem vez que passa sim, porque lembrar de lembrar mesmo eu lembro é o tempo todo, todinho. Só que na cabeça nem sempre bate suave, sabe? Aquele olhar dum verde perguntão, desafiando se eu tenho coragem de pular em buraco escuro... <br /><br />— Saudade assim eu sei como é. Dessas de murranca em galope... Segura aí, firma brabo no que tiver pra firmar. Respira fundo, meu filho.<br /><br />— To tentando, mãe... Mas é que sem ela eu vivo de tão pouco que não careço nem de respirar...Norbert Stranhohttp://www.blogger.com/profile/13756856414397403463noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-2757658244001539344.post-68414859784905677962011-07-18T12:32:00.000-07:002011-07-18T12:38:40.997-07:00Bufão é aquele que muito ofegaPaçoca porque vende paçoca, daí o nome. Vende um caralho de coisas no sinaleiro, mas Caralho não daria um bom nome. Ainda mais saindo da boca dum guri ao gritar o palhaço. É pirulito, algodão doce, chiclete, estalinhos, e... Não, algodão ele não vende mais, ninguém comprava.<br /> <br />Foi-se o tempo da palhaçada: o riso é impagável, dizem. Agora ele é só um veículo, um merchandising. E é entre os veículos que o Paçoca cai no reverso mambembe, itinerante agora são os outros. Mas cair não é graça que se faça mais. Sob a lona tinha até sentido, mas sobre ela não dá. Nariz inchado ainda rende, knockout jamé. <br /> <br />Setor comercial, rodoviária, CONIC. Esse sim é o circo do sol. Não fosse a umidade a dez por cento, a fronte danaria num pinga cor... E não tem nem o diabo duma coxia pro palhaço chorar sozinho. Vai que vai, Paçoca, o outro um já buzinando ali atrás. Abriu, não tem troco, faz mais barato, se agiliza. É a luz verde, o sorriso amarelo e a conta no vermelho. Tem nada não, meu nobre. O buguelinho da Combi escolar até sorriu... Ou foi um soluço?<br /> <br />Palhaço dá medo, há muito corre esse boato. Mas a trupe também se borra, anota aí. Já foi o sol, cadê a lua? Olha o Paçoca no meio da vida. É assim mesmo, sem rima. A paródia vai além: ele num carro onde cabem tantos que ninguém imagina, meiazerocinco para Planaltina. Ah, a rima... No fim de tudo vem sempre a mesma surpresa. Afinal de contas, resta sempre o rir de si. O auto-escárnio — quase inofensivo, é uma pena — que se faz inalienável. <br /><br />Ontologia-tautologia-troféu: antes de se deitar, ao tirar a pintura (que, de fato, não sai nem com o aguarrás da indiferença), Paçoca se lembra que o melhor do palhaço é o seu quinhão palhaço. Vinte e nove anos na mesma e não lhe causa enjôo o amendoim.Norbert Stranhohttp://www.blogger.com/profile/13756856414397403463noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-2757658244001539344.post-1165663753647413112011-06-17T06:49:00.000-07:002011-07-08T07:33:38.383-07:00ÊxodoCidade do interior, cada um bem sabe o andar do outro. Nem se carece de quebrar a esquina pra ver o que vem: de certo que é casa assim assada, um rosto adivinhado. O turismo rende bocados, em feriado chega a sair gente pela clarabóia. Lá tem mato e queda d’água, festejo e procissão. E pedrinha, daquela que onda e fissura se embolam numa coisa só.<br /> <br />Tião era um sorriso que ficava ali pra cima, no bar da subida do Carmo. Sempre um punhado de gente no recinto, o povo se esgueirando na sinuca, sorvendo os goles fiados. Eu mesmo casco nunca levei, que por lá sempre foi na confiança. Era chegar e cumprimentar o moço, Tião e seu cigarro de corda no papel de caderno. “Fala, meu querido!”, “Valeu, meu bom!”, e era isso. Não precisava mais pra saber do quão de bem era o homem...<br /> <br />Nesse Brasil não tem um canto que falte alma atrás dum zunido no pensamento, a pedra parece meter o dedo em toda ferida que há. Crack, padre e a bolsa do governo: na família era cada um com seu graças a Deus, e, pro Andrezinho, parece que sobrou da parte pior. Seu Tião tomou conhecimento do vício do filho quando era tarde, o menino já tinha feito tombar pro lado do desvario. Oh, meu Pai... O André ruim que só amarrando na cama. E Dona Elzinha em reza vazia... <br /><br />Numa dessas que ninguém sabe dizer como, o menino não me saiu pra rua? Andrezinho com os olhos faltantes e uma faca na mão. De maldade não foi, que surto é surto, mas vai querer explicar o porquê para um pai desconsolado... Quando o guarda viu, não tinha mais jeito. André mudo feito beata em sermão, de sangue dos pés à cabeça. Coitado também do pintor de parede: Amaro tinha 56 anos e morreu de graça, picado na porta de casa. Mas mesmo assim, não sei bem explicar, me apiedei foi do assassino. Ah, do pai do pintor eu também tive muita dó. Senhor de idade agüentando a morte matada do filho, um tanto assim de ruga e melanoma abraçando a netaiada aos prantos... <br /> <br />O menino foi levado preso, claro. Mas em cidade pequena, vocês sabem: seu Tião saindo fugido, sem tempo de ajeitar nada. Não tinha terminado nem de pagar o freezer do bar. A mobília do quartinho também ficou. Estória e camaradagem, tudo largado pra trás. Sabe-se lá o rumo a que vida desse um vai tomar...<br /> <br />Eu penso muito na figura do Divino que ficava ali, na parede de fora mesmo — o bar era só uma varanda, nem mesa tinha. Essa rolinha azul, de madeira, que viu tudo paradinha em seu lugar. E ela continua lá. Sólida e impassível como os blocos do chão e os jatobás do caminho...Norbert Stranhohttp://www.blogger.com/profile/13756856414397403463noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-2757658244001539344.post-9899910361608201372011-05-26T10:32:00.000-07:002011-05-26T10:36:44.917-07:00Ter Pra Volta“Claro, claro que eu faço.” Sou prestimoso de fábrica, incapaz de recusar obséquio à alma que for. “Sim, eu vou, eu pego. Naturalmente. É pra já”, e por que não? Na repartição, é importante que se mantenha uma imagem bem apessoada, a postura política que todos esperam exige assiduidade, esforço. Ora, aquele que economiza nas galhardias acaba enveredando por um caminho entroviscado, pois é bem sabido que, pelas bandas empoeiradas do serviço burocrático, chove tarefa na horta dos emburrados e dos pachorrentos. É mesmo bem na linha do correcional, do pediu agora toma: “Abacaxi, minha querida? Empurra pra mesa do cretino ali.”<br /> <br />O escambau! Sanhudo de menos também toma, tenho percebido isso. “Ué? E não estão todos aqui convictos de que Henrique tem gosto por pica no cu? Sempre agüentou sorrindo...” Percebem? Já não sei em que esquina dobrar, o endereço do sossego parece reservado aos cirurgiões das relações públicas. Não, não é simples. A temperança é um enigma. Em meu antigo batente, atendia eu pela alcunha de “Dobra”: é que, frente às apoquentações, não podia deixar de franzir a testa. Era uma constante. Já nesse ninho de ácaros a coisa mudou de figura, resolvi passar a borracha no azedume do passado e traçar meu novo perfil. Agora sou o “Tylenol”, sirvo pra qualquer merda. Miseráveis duma figa!<br /><br />De uns tempos pra cá eu vinha sentindo um palito de churrasco me furando o estômago. Não fui ao doutor. Apostei as fichas na gastrite, óbvio. Mas vai ver já era uma úlcera. Ou coisa pior. Os acerbos morrem de câncer. Os cândidos, de porrada. Os dizimeiros de virtude que sumissem da minha frente, cheguei mesmo a concluir. Bem como os cândidos. E os temperados, os equilibrados, Budas e amebas apolíneas. Eu havia decidido cessar com essa de cara a tapa... Que viessem as metástases: eu as comeria com farinha.<br /> <br />Aos sábados eu costumo torrar certa percentagem do soldo no carteado. E foi um colega de mesa, o Cambeta, que me alumiou o raciocínio. “Henrique, meu prezado, só sente a pressão quem acredita não ter pra volta. Não é a toa que se dá o nome de ás na manga pras surpresas que deixamos ali, quietas. O tempo, cabra bronco, só faz apurar a grandeza do trunfo.” O valor terapêutico do alvitre se mostrou mais eficaz do que qualquer bicarbonato. Inicialmente, pensei em garimpar um podre aqui, outro acolá. Em dar um trato na cartola para, na hora do assédio, sacar um coelho que ninguém quisesse ver. Mas isso seria, forçando bem a barra, uma manilha pequena...<br /> <br />Cara de zap tem a minha Berettinha que agora tenho na gaveta, lindeza do papai. De hoje em diante, o fuinha que solicitar trampo de quebra galho vai é cuspir goma pela testa. Ou não, que o meu brinquedo, por enquanto, é só um reforço fantasioso. Quando muito, ao desgostar dum encargo, me ponho a alisar a bicha, faço carinho na pretinha. No pico da cólera, mãe Marluce ensinava os filhotes de urubu a contar de um a dez... Hoje chego até quinze, que é o tanto de bala que vai no pente. Ah, que isso é melhor que banho frio, maracujá e camomila. O corre dos outros eu ainda faço, viva o Zé bonzinho. Mas nessa de bullyng eu não me enquadro, a moral aqui vai bem, não baila por pouco nem carrega no lombo. Vez ou outra o sorriso ainda amarela, vá lá, mas o que importa está na caixa, e, se pá, de meio pau isso cai pra doze: “Fica de gracinha, fica. Ó que eu torno, feladaputa!”Norbert Stranhohttp://www.blogger.com/profile/13756856414397403463noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-2757658244001539344.post-60998784535948566372011-04-21T11:13:00.000-07:002011-04-27T11:56:22.628-07:003 AmigasÉ, menina. Que eu penduro é uma carranca nessa barcaça aqui, ó. Tome suor na conta da bombadeira... Na feira, é vintém sangrado que não acaba mais, tudo metido em peça fina pra depois vir o diabo do cão e rasgar na garra. A noite nesses tempos faz feito besta ingrata, dessas que, se acaba o de comer, taca o dente é no dono. Outro dia, vê se pode, pegaram a Bianca. Foi bem ali, na frente do hotel mesmo. Arrastaram a coitada bem uns quinze metros. A nega toda moída de asfalto. Joelho, mão, uma coisa... E ainda estragaram o cabelo dela, jogaram ovo e terra.<br /> <br />Olha que eu ainda arredo o pé desse Setor Comercial que me rói os ossos. Com aquele meu namorado, sabe? Semana passada ele veio com outro carrão. Diz que é do amigo, o dele mesmo não pode usar, a placa é da embaixada. Ó, desses quem vem de fora eu já saí com pra lá de uma dúzia... Mas esse último é diferente, nunca que o Josefe me troca por uma racha. Eu te mostrei o lápis que ele me deu? Importado, sim. Eu perguntei se era da mulher dele, o lápis e o perfume da outra vez. Faltou chorar, o meu galego... <br /><br />Noia? Você quer é da latinha mesmo? Não tem, meu amor. Sei de um que ainda faz, mas é lá pra sobradinho dois. Não, só pedra. Ou... Vocês viram? Esse aí que passou parece que dormiu nos anos noventa e só acordou agora: de Kadette e atrás de lata, eu posso? Marina, colega, vamos ver se a safada da Tati ta munida? Preciso esquentar os peitos... Amanhã eu dobro lá no mercado. Olha lá! Se não é aquele cabo de polícia outra vez! Eles tão arrochando, vamos se adiantar. Eita, porra...Norbert Stranhohttp://www.blogger.com/profile/13756856414397403463noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-2757658244001539344.post-33536691571873031282011-04-13T10:44:00.001-07:002011-04-13T10:44:51.716-07:00Stranho em criseEstuprar a própria criatividade é um mandato cultural para aqueles que têm a palavra como única alternativa.Norbert Stranhohttp://www.blogger.com/profile/13756856414397403463noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-2757658244001539344.post-62497265586135374322011-03-14T08:59:00.000-07:002011-03-25T13:32:28.981-07:00O Sr. MouraO senhor Moura é, como ele mesmo coloca, um enxergador de verdades. O sujeito que quer aprender a separar o joio do trigo não pode se afeiçoar por demais às branduras da vida. Isso também foi o senhor Moura quem disse, ele diz um bocado de coisas. Sim, é bronco no talo, quem conhece a peça sabe muito bem. Daí que não é surpresa ser ele um animal de poucas companhias. Mas o senhor Moura, não raramente, espraia um facho de lampião nesse negrume perene que é o mundo. Seu verbo firme tem arrumado a barafunda de muitos cocos por aí. Da embolada sai ônus e bônus; vem malquerença, vem o peso dos bocados em seu bolso. <br /> <br />Aforismo N°1 do Sr. Moura: “Todo homem é um assassino, mesmo aquele que pede licença antes de enfiar a pica.”<br /> <br />O senhor Moura agencia garotas. Tem a parte burocrática, que consiste em arrumar uma clientela razoavelmente distinta, e tem também a fatia braçal da coisa, já que e o próprio senhor Moura quem dá cabo dos mal entendidos. Vejamos: um bacana querendo curtir com as donas. Sujeito polido, mil poses frente à lente da distinção. Mas a noite, cedo ou tarde, escancara sua bocarra. A farinha se acumulando no cocuruto da razão, os ânimos celebrando todas quantas são as hipérboles descabidas... Se não é equívoco de butuca, ali, a um passinho só da figura, então eu não sei o que é. Aconteceu. O senhor Moura se faz entender, evita prolixidades: <br /><br />— E desde quando, seu piolho de estrume, amassar cara de puta faz o pau subir? <br /><br />Pronto. Mais um engravatado alocado nos eixos, urinando vermelho e tomando sopa de canudinho. Por essas e outras, a porção carpada das raparigas é gorda. <br /><br />— Quem arranca a mais-valia duma ordenhadeira de porra não pode ser chamado de herói. Nem de protetor. Não forneço segurança, o prevenir fica a cargo do látex. Mas o remediar é comigo mesmo, ofereço paliativos em doses variadas. E a preços nada módicos, confesso. Neste ramo, é de praxe a terceirização da vingança. <br /> <br />Aforismo Nº2 do Sr. Moura: “Um leão que sempre comeu cenoura continua sendo um animal carnívoro.”<br /> <br />O senhor Moura, tendo em vista o muito chão que rodou, desenvolveu um bom faro para espécies iníquas. Jogador de futebol em suíte de hotel cinco estrelas? Melhor esperar lá em baixo, às vezes complica. Personalidade carimbada exigindo discrição e marcando encontro em cabeça de porco? Olho vivo, capadócio. Se o bolo desanda, é bom estar a postos. Cliente gordinho, do tipo calmo e de suspensórios? Desses que pagam mais, fazem carinho e chamam para jantar? Pode escrever: vai dar merda. <br /><br />— Sabe como é... Ele dá bom dia ao vigia da rua e o chama pelo nome; Compra um violino e um pônei para consolar a filha diabética; Pinta miniaturas de embarcações do séc. XVI enquanto leva o casamento no sapato, um traveco aqui, outro acolá... Mas tudo isso é só até a hipoteca vencer. Daí o carequinha pira, resolve desembestar para um motel e espalhar as tripas de uma vagabunda qualquer pela parede. Adianta bagunçar o rosto de um sujeito desses? Existe castigo para quem vira gente pelo avesso? Quem sacaneia com as entranhas de alguém não tem, geralmente, muito a perder. E a megera castradora que ele guarda em casa? Se não dá para evitar a catarse, que vá ele fazer arte moderna no bucho da própria puta. Não, esse tipo eu veto. <br /> <br />Aforismo Nº3 do Sr. Moura: “Todo aforista acaba descobrindo que umbigo é um problema seriíssimo.” <br /><br />O senhor Moura vive em constante vigília. Tão acostumado com a tarefa de credor, perdeu o tempo da hipoteca de seu próprio corpo. Com o ópio primordial fora de seu alcance, Moura passou a pesar na mão, na dose de tudo quanto é coisa. “Essa bala aqui é para alinhar os meus pensamentos”, ele diz. “Pense nisso como um seguro dignidade”. <br /><br />— O sexo é causa e conseqüência da dívida. A dívida é causa e conseqüência do erro. O erro é causa e conseqüência de quem não percebe as duas relações anteriormente citadas. E isso, veja bem, porque o sexo é um remédio sem o qual não há carcaça que perdure. Não é à toa a cobra da medicina, sanando e matando em seu fálico desfile sobre o fio da navalha. Mas cuidado com o esforço: a vida, em si, já é um paradoxo fatigante.Norbert Stranhohttp://www.blogger.com/profile/13756856414397403463noreply@blogger.com3tag:blogger.com,1999:blog-2757658244001539344.post-10267234969887722872011-01-11T05:28:00.000-08:002011-01-11T05:34:46.871-08:00Tavariana<span style="font-weight:bold;">(Goodbye, Gonçalo)</span><br /><br />Emanuel Filho é um cálculo equivocado, e disso ele se apercebeu quando ainda criança. Fizeram-no entender. Como uma sombra que confunde, sua mera presença bastava para que os em sua companhia tomassem direções inexatas. “É um menino de caráter canceroso, de palavras e ações que se instalam em sítios inapropriados.” Não é fácil crescer dessa maneira. Atravessar a infância sendo o portador desse diagnóstico é, no mínimo, uma proeza de tamanho médio.<br /> <br />As pessoas, em sua esmagadora maioria, entendem o mundo com olhos gerais, com os olhos de muitos. É uma herança ocular que se recebe. Mas essa, tão fundamental para seguir os caminhos ofertados pelo projeto humano, foi negada de antemão ao garoto. Emanuel concebeu um percurso para si. E o fez com apenas dois olhos. <br /><br />É este o nome dos caminhos dotados de fisionomia vulgarmente própria: erro. Todavia, Emanuel nunca abraçou o engano absoluto. O desprezo necessário para tal é do tipo ativo, e em muito difere da condição aqui tratada. Emanuel não é um sociopata. Não pelo lado interno. A diferença é um objeto complexo, imbuída de muitos esforços. Emanuel: matéria prima a ser processada em várias etapas. Sim, existem máquinas para isso.<br /><br />Um grande proprietário: além de seus próprios, Emanuel detém a mais valia dos erros alheios. É um tanto pesado, compreende? Mas aquilo tudo era necessário. O erro, quando certeza, traz consigo uma calma, uma paz. Paz de testas enrugadas e olhares reprovadores, isso é verdade, mas que atinge um nível máximo de precisão: “Errei, não foi? Sabia!”<br /><br />[Fim da autópsia do cyborg]<br /><br />Talvez, no fundo, não exista escapatória. O caos está, pouco a pouco, morrendo asfixiado. A besta geométrica analítica está faminta. Seremos engolidos. Nós: restolho digerido, coordenadas. Tornar-se-á óbvio, então, o caráter neurótico de tudo.Norbert Stranhohttp://www.blogger.com/profile/13756856414397403463noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-2757658244001539344.post-1281287010035157792011-01-03T09:41:00.000-08:002011-01-10T10:06:55.599-08:00Hormônio e PenitênciaCatarina é cria de um sítio inóspito em afeto, mundão áspero de tanta insciência. Lá vai a menina, doze pra treze, a penca de porquês em branco se arrastando pelo chão. A freira segue atrás, vai por a interna na cama. Todas elas dormem assim, grampeadas. É ordem da madre superiora: as meninas devem ter seu vestido fixado ao forro do colchão. “Não pode virar de bruços, Catarina. Deitar-se assim é pecado, estimula os seios...” <br /><br />No Sacre Coeur de Marie tem aula de francês, de piano, de bordado, de silêncio. As irmãs e suas réguas: métrica boçal do interdito e do castigo. É injusto o quinhão de ferida... Ontem, Catarina foi pega fora do leito, estava a brincar com a colega. O joelho no milho, a cabeça na noite. Não, não tem culpa nenhuma ali. As freiras também se tocam, Catarina sabe. Reza pra quem essa menina? “Senhor Jesus filho da puta...” Mordisca os beicinhos, pede ela a graça de um milagre torto. <br /><br />Catarina cresce. É um desatino que vai pegando, é a tal da ânsia. Hormônio e penitência. Nossa menina fita um grupo trabalhando em uma contenção, o olhar da pequena pousando num rapagão vistoso, um que deixa escapar assobios por debaixo do bigode. O moço limpa o suor da fronte enquanto caça um acaso: em quem que a vista desse um bate? Catarina palpitando, e não é pela aritmética. À noite são dois palitos para a praia, para o alojamento dos obreiros, para dentro daquela coisa que a gente sente como um absoluto. A menina gatuna, o muro do internato ficando baixo. Uma. Duas. Três e se acostuma, toma gosto por aquele fazer. Corpinho nu ofegante. E o moço do lado, a boca grossa capixaba soprando canto de congado pelo escuro afora. O Espírito Santo, naquela época, era mais vadio um pouquinho. Mas foi curto esse tempo. A encosta ficou segura, lá se foram os homens da ilha. <br /><br />Catarina disse para a professora que estava doente, que há dois meses não fazia uso da toalhinha higiênica. Pois não é que mandaram a menina para o continente? A agulha do doutor picando um bracinho, tudo meio embaçado. Foi só tirar o curativo da vagina que a sangueira doida foi descendo, suco de guri no vaso sanitário. Faltavam as páginas sobre reprodução no livro de biologia, o saber já vinha amputado pelas freiras: para Catarina, aquele capítulo faria o sentido do vermelho negro em suas coxas. <br /><br />Catarina para fora do colégio. Expulsa ela não podia ser, que o pai rico doava quantias ao convento. Foram as irmãs do colégio que a convenceram de que ela não queria mais estudar. Deus e os exílios. Mas Silvio, homem sério que dava peso ao valor da verdade, não podia ter ciência da mão religiosa dessa desistência. A menina espremida entre as palavras de ordem. Qual pai se desagrada mais nessas horas? <br /><br />Catarina na ponte. É a ponte e é o rio: espremida outra vez essa uma. A vida também é vertiginosa, não é qualquer um que pula. Catarina casou. Teve cinco filhos, um pouco de amor e um punhado de hematomas. Ainda vive por aquelas bandas. Ainda se lembra do moço que assobiava Ademilde Fonseca. Ainda toca piano. Ainda acredita em Deus.Norbert Stranhohttp://www.blogger.com/profile/13756856414397403463noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-2757658244001539344.post-9144441215398619212010-12-01T09:26:00.000-08:002011-01-10T09:05:23.543-08:00O Hímen de PompéiaPompéia era uma velha virgem da 416 sul. Oitenta e oito anos e o cabaço lá, soberano. Elsa, a irmã mais velha, chegou a dar: uma vez só, em 1952, para o moço que recolhia garrafas em sua rua. As duas, que moraram juntas a vida inteira, vieram não sei da onde de Minas Gerais e se enfiaram naquele apartamento escuro que era o 101. Havia, na porta dessa residência, uma águia cor de cobre — como a do Terceiro Reich — com uma argola dependurada no bico. Esse curioso ornamento substituía a campainha. Era só triscar no tal enfeite que a porta se abria: Dona Elsa espiava pelo olho mágico ao menor sinal de movimento no hall... Velha noiada aquela uma. <br /><br />Elsa era a que mandava. Bastava um cisco fora do lugar e pronto, a rabugenta diminuindo a irmã, chamando-a por nomes. Pompéia tinha sempre uma perna enfaixada, um braço preso a uma tala ou coisa parecida. “É a osteoporose, o cálcio vai raleando”, comentavam os vizinhos. Osteoporose uma porra. Enfiava a porrada na caçula, a bruxa. Pergunta: o hímen de uma senhora de idade, com o passar das décadas, vai ficando mais frágil ou mais rijo? Tornar-se quebradiço por desilusão ou teimoso por efeito da inércia? São pensamentos obscuros que tenho...<br /> <br />Certa vez Pompéia ficou presa no elevador. Era uma máquina antiga, um daqueles Schindlers de porta pantográfica. Por ter molhado a saia, a pobrezinha se acanhou e não gritou por ajuda. Três horas depois, tiraram a senhora do calabouço, bem melhor do que se supunha: a cara empapada de suor, na mão uma garrafa de Baré vazia. Haveria um sorriso revanchista por debaixo de todo aquele cansaço? E se, na perspectiva da morte, a velha Pompéia resolveu ceder à tentação de um prazer derradeiro e despertou o Vesúvio a tanto adormecido? <br /><br />Elsa era enfermeira; para Pompéia sobrou enfermidade. Elsa conheceu o garrafeiro; Pompéia, quando muito, se acalentou com uma garrafa... Entretanto, é aí que está a jocosidade insurgente que tanto custou: Elsa gozou do poder; Pompéia, do poder de gozar. <br /><br />E mesmo assim, até hoje, o Niemeyer insiste em não decorar as paredes da catedral com afrescos pornográficos... Oh, meu Deus, por que as putas sabem rezar? Por que é que não tem Baré aqui na minha padaria?Norbert Stranhohttp://www.blogger.com/profile/13756856414397403463noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-2757658244001539344.post-23959051366971677042010-10-27T13:11:00.000-07:002010-10-27T13:33:53.068-07:00Easy, baby.Olha, neném <br />Eu te amo <br /><br />Amo <br /><br />A sua luta <br />O seu pileque <br />O seu jeito de contar anedotas<br /><br />Porra, eu amo o cocô do seu cachorro <br /><br />É o teu cabelo, o teu balanço <br />Teu cheiro de avelã<br /><br />E o seu cu enorme, lar de tantos demônios<br /> <br />Eu te quero, Bárbara <br />Com todos os delírios e neuroses da sua meia idade <br />Com o seu filho pré-adolecente, com a sua tia que tem bafo<br /><br />Rainha <br />Única <br />Primeira <br />Última <br /><br />Eu te juro <br />Eu te explico <br />Eu te peço <br /><br />É só isso que eu te peço, Bárbara<br />Por favor:<br /><br />Solta essa faca, meu amor.Norbert Stranhohttp://www.blogger.com/profile/13756856414397403463noreply@blogger.com3tag:blogger.com,1999:blog-2757658244001539344.post-39247155365505823502010-10-19T14:06:00.000-07:002010-10-19T14:12:06.067-07:00SolangeÓ pra lá, Santos. A sapeca da meia-noite chacinando meio mundo cum sorrisinho de canto. Ali, ou. Tá que me olha com o rabo, chamando a catástrofe pra morar dentro dela. Posso não, Deus. Tem como um desatino desses? Naquele copo não é uísque: tem baba de touro, tem sêmen de lobo. As cabeças todas feito um cardume, pra lá e pra cá seguindo o quadril dela. Faço o quê? Ave... Queria era morrer.<br /><br />Debaixo do vestido tem uma arapuca quente, Santos. Ali você sabe, é um labirinto sem volta. Já pensou? Eu vou é escrever uma ópera pro umbigo dela, Santos. E vai ser em húngaro, que é a língua do Diabo. Se eu for e ela me der sumiço, dá um jeito de arrumar ajuda. Não, faz assim: chama o vigário e manda rezar o que tiver de rezar. <br /><br />E pior que não é só maldade, Santos. Essa menina é toda jeito, costura gota em flor. Viu ela mandando o outro um embora? Não careceu nem de ficar bravo: o não dela é de seda. Se eu for, aposto que ela diz sim. Ela piscou, homem de Deus. Pode até ter sido um cisco da purpurina, mas ela... Purpurina não sai do pau, Santos, gruda que é um horror. Eu vou, olha que eu vou. Porra, Santos, ela vai entrar no carro do... Diacho! Foi.<br /><br />Tem problema não. Semana que vem eu volto aqui no baile. Nem que seja pra gastar o ordenado todinho. Tão linda, Santos... E eu nem ligo dela ser homem.Norbert Stranhohttp://www.blogger.com/profile/13756856414397403463noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-2757658244001539344.post-90344539857730834042010-10-01T21:50:00.000-07:002010-10-07T14:25:37.999-07:00Mais, aindaUm homem numa cadeira de plástico <br />Fuma cigarros, porém só até a metade. <br />Quem inventou isso de conhaque no vermute? <br />Estava de fato aposentado. Mundo: <br />Não lhe contava mais segredo algum. <br /><br />Vez ou outra se tocava do quão insosso é persistir <br />Mas ele não podia fazer nenhuma besteira, não por enquanto.<br />"Antes disso", ele pensava:<br />“Preciso dormir com mais duas mulheres.” <br />“Ou três.” <br /><br />Não se sabe ao certo o nome do homem. <br />Que tal Paulo? <br />Num desses domingos ordinários, percebeu <br />S u b i t a m e n t e <br />Que não amava mais sua esposa.<br />Ao revelar a descoberta para Lourdes (em tempo real) <br />Cometeu um erro.<br />Um erro gravíssimo. <br /><br />Paulo sozinho: pouco mais que noventa e seis quilos <br />Todos eles prostrados numa cadeira <br />Uma cadeira amarela, de plástico.<br /><br />Mesmo jogados, pisados no chão <br />Os cigarros pela metade não podem ser chamados de guimbas: <br />Aquilo que não é bituca possui ainda um préstimo. <br /><br />Cigarros pela metade formam um rastro <br />Bem menos angustiante, é verdade.<br />No sentido de que os filtros, <br />(infumáveis) <br />Sucumbem numa canção de finitude avassaladora.Norbert Stranhohttp://www.blogger.com/profile/13756856414397403463noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-2757658244001539344.post-6295302877190117672010-09-27T10:40:00.000-07:002010-10-01T22:11:33.706-07:00CabeçaPensamento: “Minha barriga é grande. O mundo é pequeno. Meu pau é pequeno. Aposentadoria. Qual é mesmo o nome daquele poeta? Pressão alta. Sal. Salve-me. Vida de merda. Alemanha. Odeio Kaiser. Alfabeto, Al-Jazeera, alcoolismo. Papai. Pipa. Pica. Formiga. Ou então cupim. Zangão, violão, televisão. Aposentadoria. Um incêndio no Louvre seria maravilhoso. Capataz. A virgem de Guadalupe. Homens na lua. Homens de marte. Verde. Dólar. Esqueci do aluguel. Pílulas. Jim Morrison. Cemitério. Morte. Sexo. Caveirinhas mexicanas. Aposentadoria e morte. Caveirinhas fazendo Sexo. Tequila. Aquela menina de dezesseis anos da bundinha arrebitada. Virgindade. Pedofilia. Cadeia. Ânus. Dezesseis anos. Meu pau não é tão pequeno assim. Outra Kaiser. A Monalisa era homem.”Norbert Stranhohttp://www.blogger.com/profile/13756856414397403463noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-2757658244001539344.post-28961443573120715702010-08-25T15:24:00.000-07:002010-10-15T08:10:20.232-07:00Combustão InternaÁrvores são cortadas por operários <br />Fabrica-se o papel <br />Nele, as mãos de Lúcio Costa traçam duas linhas formando uma cruz<br /><br />Árvores são derrubadas pelos Tratores da Novacap<br />Fabricam-se os eixos<br />Por eles um burocrata traça seu automóvel após o expediente<br /><br />A filha de um operário faz o sinal da cruz<br />Esse papel, dizem, foi o primeiro a ser fabricado<br />Ela está sob as árvores, exibe suas linhas<br /><br />O burocrata, feito trator, deposita suas sementes<br />Fora dos eixos, apesar de tanta fabricação<br />Expediente? 50 homens em 5 dias, JK.<br /><br />Oh meu Deus: terá a Volkswagen algum tipo de influência sobre o mapa da minha libido?Norbert Stranhohttp://www.blogger.com/profile/13756856414397403463noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-2757658244001539344.post-50053601520663910492010-07-21T11:01:00.000-07:002010-07-23T04:35:16.815-07:00Ana Bolha e Zé CotocoO pedaço graúdo fica no meio: “Aqui, não careço de caprichar”, foram essas as palavras do Pai, sincero ante o próprio agastamento. E, num faz-que-repete, deu cabo da massa, dum povinho parecido. Se assim não fosse, no bucho não pesaria o tal do mundo, e aligeirado far-se-iam os tempos, dado que bosta sem liga não tarda a sair. <br /><br />Já nas duas pontas, a conversa foi outra: “Ali, me apetece uma tribo de agraciados.” E assim vieram, o buraco do cu voltado pra lua, mas nem por isso menos dispostos à iniquidade. “Acolá, um naco de mofineza, que só mesmo a desdita pro caldo vingar.” E voilà: a peleja é travada, o tempero é puxado, e de nada adianta culpar o Cão. <br /><br />Assim como todas as fortunas podem passar pelos que estão a sós, nada impede a degustação da lama a dois. Eis a face complexa do arranjo, a parte volátil de todos os ditames: o que é o amor, senão um deboche? Ora, não há desventura que não se suste em virtude duma benquerença, pois sendo forte o grilhão, é fatível sorrir de volta pra quimera que for. <br /><br />Consentir com o fosso não foi à moda de parto, mas trivial até. Em coma afetuoso, um com outro e o outro com um, Zé e Ana plantavam flor no vaso de qualquer calamidade. E não se trata de superação, que as mazelas muitas não cessam o doer. É o absoluto, o máximo d’alma: carne que desaprendeu o tosco, gozo raro se espraiando no lodo e não deixando restar um pingo a não ser boniteza. <br /><br />Ana já veio grossa, toucinho em tudo quanto era parte. A mãe morreu ao dar à luz, e o pai, sangue no olho que ave-maria, não fatigava dizer: “Nenê o capeta, uma jaca! Sugou foi a vida da mãe, esse estrupício...” Demorou a menina pra se aguentar de pé, também pudera. Antes rolava, por vontade sua ou maldade alheia. E de seu tempo de boneca, não guardou estória boa, que é cruel o animal criança... <br /><br />Zé foi o oitavo de doze, sendo o sobejo da cria ele mais outras três. É assim quando o sertão tá brabo, os infantes sempre na esquiva da foice. Mal fez sete e o rumaram pro cisal. Pingou de labuta por três secas até que a máquina comeu seu bracinho. Ô, povaréu de meninice penosa. Cansou-se da farinha, o Zé. Dando pouco pra roça, arredou o pé da Bahia e caiu pra cidade do Santo Paulo. Preto e dum braço só, Zé ainda me inventa de criar feição pela cachaça, prato cheio na mesa do patronato mesquinho. Refusavam tudo quanto era batente... Ê, Zé!<br /><br />Olha que nem comer muito ela comia, era gorda de sina mesmo. Quando pensava em se enamorar, um quente de medo tomava o corpo: vergonha do azedume que tinha nas dobras. E o Zé, acometido de paranoia? Com o rabo da vista, ele tentava tirar a prova: desconfiava que estivessem encarando o seu cotoco. A dieta dos sucos quase a matou, foi Deus quem a quis bolha. Ana quer morrer, mas tem medo outra vez: vergonha só de pensar na alça do caixão quebrando. E o Zé, que deu pra queimar pedra? Magro, magro... E banguela. Se tapume de barraco valesse, ele vendia. Não se apoquentaria com essa de morada, dormitava era na boca mesmo.<br /><br />Daí que se desacerta do caminho um cupido, batendo num bar-casebre desses do Capão Redondo. E da-lhe seta nos dois! Ana, que encara Zé, largou de ter dó de si. Zé vem vindo na piscadela, e o cotoco acalma, some a dor fantasma que o assombrava fazia é década. Ela na rabada, ele na malvada: num salto, boi e pinga numa boca que eram duas. Ou em duas que agora era uma. <br /><br /><br />“Zé, eu te amo tanto!”<br />“Tesão rosa! Leitoa cheia de prumo!” <br />“Você não liga deu ser gorda?”<br />“Eu te quero assim, sobrando.” <br />“Zé...”<br />“Que é?”<br />“Me come com o seu cotoco?” <br /><br /><br />Anos depois, o tempo veio cobrar o que lhe era devido, e Zé, de carcaça tão pouca, não deu conta da mão bruta do câncer. Ana, em amargura, abraçou os doces: tanto motejo nessa vida... Veio então a diabetes, que tomou parte de sua perna. Ana tinha agora um cotoco para uso próprio. E uma dor de dois fantasmas.<br /><br />Antes, era a lembrança do amor que doía como um pedaço arrancado; Depois, foi a porção amputada que passou a trazer recordações da paixão. Aos poucos, Ana sucumbiu. No enterro, pouca gente. E a alça do caixão lá, firme e forte.Norbert Stranhohttp://www.blogger.com/profile/13756856414397403463noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-2757658244001539344.post-59367613952631728762010-07-16T07:12:00.000-07:002010-07-16T07:22:37.011-07:00Carrão<span style="font-weight:bold;">Made en Trequadra 2</span><br /><br />Dos velocípedes, o melhor. No estilo fórmula um: aerofólio, vários adesivos da Marlboro, perfeito para cavalos de pau sobre o assoalho encerado do bloco. Sim, primo egoísta é como câncer: toda família tem um caso. Por que tinha de ser logo ele o dono do “carrão”? Foda. “Não te empresto, vem pegar”, e, em plena fuga, o zura me atropela um pombo. O pobre animal enroscado no eixo, se esvaindo em penas e grunhidos inidentificáveis. Tocar no pássaro? Nunca! Rodar o pedal só piorou. Consternado, Gagau em berros: “Chama o Tiago!” E nosso primo mais velho, a par da situação, me desce as escadas empunhando um taco de bete: “Cadê? Vamos acabar logo com isso...” <br /> <br />Não me foi permitido assistir à eutanásia. Tiagão alegou ter enterrado a carcaça do bicho no areal da dezesseis – um desses imensos quadrados sem parquinho, sem trave de futebol ou rede de vôlei, sem significado algum. Dia vai, dia vem, e, numa dessas ocasiões insólitas que só a infância guarda, me deparo com o tal pombo nos arredores de sua cova. A ave ali: fantasmagoria a zanzar pelo super-cinzeiro-de-shopping. Sinal da cruz e pernas pra quem te quero. Duas ou três semanas de pesadelo e foi-se. Passou.<br /><br />Meu primo mais novo, o mesmo do “carrão”, tinha um hamster. Pé de Pano era o nome. Daí o acidente: esmaguei o coitado com uma nave, um cacete espacial de Playmobil. O medo das consequências me levou de encontro a várias medidas insensatas, sendo uma delas a de enterrar o roedor ao lado do pombo. Aquela areia era estranha, vai que o diabo do rato também voltava... Não voltou. Castigo? Já que o homicídio não havia sido classificado como doloso, achei que iria escapar, mas peguei sete dias. Muito provavelmente devido à via de reparação que escolhi, insensível segundo o julgar de alguns: “Eu compro outro com a minha mesada, prometo.” Ora, o hamster, pelo menos para mim, deveria ser tratado como um animal de valor afetivo menor. Alguém aí já viu hamster em clínica veterinária? Não! É assim: rato a gente deixa morrer e pronto. Até comemora, dependendo do rato... <br /><br />Anos depois, grandes revelações: meu primo mais velho confessou que havia jogado os restos mortais do pombo na lixeira do prédio, e que o rito ornitofúnebre não passara de um inverossímil adorno de caso. Hoje em dia, quando vislumbro aqueles ermos de areia, várias coisas me vêm à cabeça. Penso que os pombos são todos muito parecidos. E que os pássaros, por motivos óbvios, me fazem lembrar mais do Stephen King do que do Hitchcock. Penso também em cavar um buraco, em encontrar ali a ossada do rato, ou pelo menos um resquício de outrora, uma alegriazinha qualquer que seja.Norbert Stranhohttp://www.blogger.com/profile/13756856414397403463noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-2757658244001539344.post-88032510623209395302010-07-12T09:09:00.000-07:002010-07-12T09:16:56.194-07:00Azeitona de Cachorro<span style="font-weight:bold;">Made en Trequadra 1</span><br /><br />Quando eu era pequeno, trabalhava na casa de minha avó uma moça que atendia pela alcunha de “Lu”. Pois bem. Certa vez, enquanto fazíamos o caminho de volta da padaria, me indaguei sobre a composição daquele misterioso tapete púrpuro que se estendia por vastas porções de cimento. Tudo em vão, pois eis que não tive sequer meio segundo para examinar a curiosa frutinha. Lascou-me um tapa violentíssimo nas mãos, a babá. Em seguida, o alerta: “Larga isso, menino, que é veneno!” <br /><br />Hoje em dia, de face aos trancos da vida, por vezes penso em correr nu por esses bosques planejados do Plano Piloto... Em busca de tantos quantos forem os jamelões que possam caber em minha boca.Norbert Stranhohttp://www.blogger.com/profile/13756856414397403463noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-2757658244001539344.post-67184983140664324192010-06-29T11:19:00.000-07:002010-06-29T11:23:19.479-07:00Divã-a-cabo-uCerta vez, no consultório: <br /><br />" – Eu, por muito prezar o título de filho dileto, decidi por deixar crescer o câncer aqui plantado. Boa jardineira, a mamãe, muito embora sua noção paisagística se sobreponha ao sofrimento de uns e outros..."<br /><br />" – Entendo. Se o problema é falta de sinal, digite um. E tudo bem se você não tem certeza. Se você está ligando para tratar de uma visita técnica, digite dois. Para qualquer outro assunto, digite três."<br /><br />É... Integrar um mercado oligopolista tem lá suas vantagens. O Dr. Noronha Estevão de Travassos que o diga: cobra caro, não resolve, não tem medo do PROCON.Norbert Stranhohttp://www.blogger.com/profile/13756856414397403463noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-2757658244001539344.post-50648802964667595952010-06-05T18:49:00.000-07:002010-06-05T18:52:49.356-07:00Soneto Interativo da Patologia Fofa<span style="font-weight:bold;">(Preencha as lacunas abaixo)</span> <br /><br /><br />Doença que não finda<br />Na cabeça a tempestade<br />Que coisa mais linda<br />Sem dó nem piedade<br /><br />________________<br />________________<br />________________<br />________________ <br /><br />Dininha<br />Tu sem calcinha<br />De pé, pronta pro ato<br /><br />E eu por trás<br />Por ti capaz<br />Inté de assassinatoNorbert Stranhohttp://www.blogger.com/profile/13756856414397403463noreply@blogger.com2tag:blogger.com,1999:blog-2757658244001539344.post-47373675763281386082010-05-22T07:32:00.000-07:002010-05-22T07:34:27.298-07:00Puta Velha– Ô, nhá Maria...<br />– É o quê? <br />– Seu filho aqui em baixo.<br />– Sem graça!<br />– É, ué. Rapaz moço, o cabelo um sebo só. Diz ser seu filho.<br />– É filho não, trem. É cliente. Negócio de mãe é tara.<br />– Cada uma!<br />– Tem jeito? Mania de mãe, porra...Norbert Stranhohttp://www.blogger.com/profile/13756856414397403463noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-2757658244001539344.post-39333598473534024082010-05-18T10:02:00.000-07:002010-06-08T08:14:37.387-07:00Rodrigueana<span style="font-weight:bold;">Nosso Homem</span><br /><br />Francisco não era lá nenhum santo. Contudo, exagerado seria se elegêssemos, entre os traços de seu caráter, sítio destacado para a infidelidade. Suas escapadelas ligavam-se diretamente ao enfado conjugal, à perene agonia do arroz com feijão. Das aventuras, nosso bom homem tirava o ânimo para a reparação, prática que, diante das almas verdadeiramente compreensivas, lhe rendia a fama de esposo devoto. É possível detectar no adultério, sim, uma espécie de zelo oculto. Mas as minúcias se fazem necessárias, do contrário tudo não passaria da mais cínica das justificativas... <br /><br />– Se não é o contador mais alinhado do estado da Guanabara! Um pão! <br />– Dona Carla... <br />– Sua loção pós-barba, Chiquinho... Bole comigo de um jeito, sabe? Tu em Botafogo... E eu sinto da Urca! <br /> <br />Francisco desconversou, foi forte. Problemas em casa ele tinha, claro. Mas não se pode abdicar dos freios, ora pipocas! Menos por culpa do que por ordem. Grita-lhe nos ouvidos a patroa e já brota nele a idéia da amante? Um desgosto aqui, outro acolá, e já toma nosso homem o rumo do motel? Os estratagemas aparentemente escusos da boa administração matrimonial não devem ser movidos pela fraqueza da carne. “Pouca vergonha? Nunca!”, bradava Chico. Amélia era beata, não merecia judiação. Se Francisco se deitava com outra, pode anotar: era para salvar a pátria, caso de vida ou morte. <br /><br /><br /><span style="font-weight:bold;">Caso de Vida ou Morte</span><br /><br />Começou com uma pequena implicância, mas logo tomou dimensões preocupantes: Amélia passou a não tolerar a sinuca de sexta-feira. <br /><br />– Pois eu lhe digo que ali não é lugar de respeito! Na semana passada, eu tive de explicar à Laurinha: “Ás sextas não costumo passear, Francisco chega cansado da repartição. Não gosta de acumular serviço para a semana seguinte, entende?”<br />– Amélia, meu benzinho...<br />– E eu me perguntando se a Laurinha não sabe da verdade, que meu marido não me leva ao cinema porque prefere freqüentar um antro de biscateiros, de boemia, de jogo... De jogo, Francisco Amaral! Eu não admito... <br />– Não é jogo, Amélia, é sinuca... Não tem aposta, não tem nada. Todo homem precisa de um tempo, de um...<br />– Tempo? Foi isso que o Augusto pediu pra Roberta! E o tempo virou “desquite”... E você sabe que eu prefiro tomar...<br />– Eu sei, eu sei. Prefere tomar um copo de veneno a se desquitar. E que em caso de adultério...<br />– VE-NE-NO-DE-RA-TÔ!<br /> <br />Deu sexta-feira e Francisco não foi à sinuca, mas ao municipal. Carmen, quinta fileira, bem no meio: os ingressos lhe custaram os olhos da cara. Amélia só pensava em conhecer a Espanha, a imaginação divagando nas touradas... E a cabeça do marido na sinuca, na cerveja, na amante. Qual seria daquela vez não importava. Para suportar as sextas vindouras, era preciso que Francisco deixasse claro para si: “Não sou um pau-mandado!” E essa mesma direção tomou seu sábado. <br /><br />Alegando estar indo para uma partida de futebol, Chico rumou para o bar do Joaquim, no catete. Graças à amizade que tinha o portuga para com Chico, não houve custos ou coisa do gênero, tudo acertado na maior camaradagem. O espaço fora reservado quatro dias antes. No segundo andar, esparramada sobre a mesa de sinuca e trajando nada mais do que a própria pele, estava Betina, “A malvada do Jóquei”. Antes de partir, enquanto abotoava as calças, proferiu nosso homem em alto em bom som: <br /><br />– Olha aqui, você não me inventa de fazer besteira, de me procurar ou coisa parecida... Eu sou casado! E tem mais: eu só traio porque amo, ouviu bem? Porque amo! <br /><br />O fetiche logrou êxito. Na sexta seguinte, Francisco fez questão: não por acaso assistiram à outra ópera, dessa vez foi “Turandot”. Amélia só pensava em conhecer a China, devaneios se perdendo em vastos reinos. E a fantasia do marido pairando sobre o leito doméstico, antevendo a hora da pergunta: “Quem é que manda aqui? Vamos, diga! Quem é? Hum? Quem?”<br /><br /><br /><span style="font-weight:bold;">Ética</span><br /><br />Ela o abordou no baile:<br /> <br />– E daí que não te conheço? Nutro por ti uma imensa admiração! Suas feições me são novas, mas os seus feitos... Sou amiga da Carla, ora! <br />– Carla?<br />– Parece que você faz o imposto do marido dela, o que mora na Urca...<br />– Ah, a mulher do milico? <br />– Um trouxa! <br /><br />Por amor, de cerca nosso homem pulou um punhado ou outro. Morreu a tia avó de Patos de Minas; E lá se vão duas pra três semanas perdidas, o tal do luto enlouquecendo Francisco. Depois foi a irmã rica de Amélia que se hospedou no apartamento; E Francisco agüentando coice atrás de coice. “Se aqui nada presta, por que não fica ela no Copacabana Palace?” Tantas preocupações, tantas providências... Por que haveria ele de dar nome aos bois, às soluções? Antes o machismo à úlcera! Fátima, Beatriz, Angélica, Siboney... Melhor era não saber, bom mentiroso é aquele que se aliena da verdade. Afinal de contas, era isso ou o tal copo de veneno... <br /><br />Acontece que naquela ocasião não havia problema algum, nada que o afligisse. Pelo contrário: sua cunhada levara Amélia para fazer compras no estrangeiro, o que para Chico significava gozar de uma liberdade ímpar. Mas a pequena insistia em o perseguir pelo salão, a tentação em pessoa cravando-lhe as unhas no braço: “Vamos! Que mal tem?” E Chico: “Não posso, não dá!” <br /><br />O uísque pesando cada vez mais:<br /><br />– Eu cuido de você direitinho! <br />– Eu tenho quem me cuide...<br />– Cuida? Largou-te aqui e foi para Europa...<br />– Mas ela foi com a irmã, pombas! Com a irmã eu não iria, aquela megera... <br />– Vem comigo, então... <br />– Sem motivou eu não dou conta, pode ser até que me falte o vigor...<br />– Impossível! <br /><br />Pela primeira vez levou Francisco uma outra para casa. Mesmo sendo grande o pileque, Chico sabia estar incorrendo em grave erro. O peso na consciência crescia na medida em que Paula tecia e lançava seus comentários estapafúrdios:<br /><br />– Me fale de sua esposa.<br />– Por favor, Paula...<br />– Ela está em Paris? É boa no que faz? Tem faro, desconfia de você? <br />– Agora não, carambolas! Mudemos de assunto, sim?<br />– De que lado da cama ela dorme? É ela nesse retrato?<br /><br />Francisco deu um jeito na moça. Aliás, que jeito! Aliás, que moça que nada! Paula: “Mais, mais!” E Chico: “Temos a noite inteira!” E ela: “Não! Quero muito... Outros dias, outras vezes!” Ele: “Está maluca? Sou casado! Se Amélia toma conhecimento dessa pouca vergonha, é batata... Se suicida, a minha santinha.” Enquanto falava, Chico apertava com força a garganta de Paula, quase a estrangulando. Procurava sublinhar sua regra de ouro: “Uma vez e nada mais! Senão te dou um sumiço... Eu te mato!” E, naquele exato momento, Paula sorriu, esvaiu-se em um prazer absoluto. <br /><br />No dia seguinte, pela hora do café, os vizinhos ouviram um pranto. O choro urrado vinha acompanhado por gritos: <br /><br />“Eu não tenho éticaaaaaaaa! Um pingo de éticaaaaaaaaaaaaaa!”<br /><br /><br /><span style="font-weight:bold;">Às avessas </span><br /><br />Francisco, até então, não se esquecera de Paula. Segundo ele: “Minha única deslealdade!” E, quando a encontrou pela primeira vez após a tal noite, uma surpresa: a pequena seguiu à risca as recomendações que lhe foram feitas. Nem sequer uma espiadinha de canto de olho. O cumprimento foi apenas formal, mas para Chico aquilo soou como frieza. E nosso homem se arrependeu de ter sido tão enfático...<br /><br />A verdade é que Francisco acabou por se transformar. As outras: “Meu marido foi pescar...” ou “Não me dou com os números, uma ajudinha viria bem a calhar...” E Chico, ao invés do bom e velho “Nem em sonho!”, “Isola!”, passou a soltar: “Assim você acaba comigo”, “Ai, meu Pai...”, “Lascou-se!”. <br /><br />E então, numa tarde de sábado, a bomba: Francisco chega do futebol e encontra a casa de pernas pro ar, uma bagunça que só. Inicialmente, pensou estar diante da cena de um crime, mas logo percebeu que muitas coisas de valor não haviam sido levadas, e que tão pouco demonstrava a fechadura algum sinal de arrombamento. Em cima da mesa do escritório, um envelope pardo. E foi o conteúdo do mesmo que levou o nosso homem a nocaute, o fez beijar a lona: eram os papéis do divórcio. <br /><br />Havia também, dentro do pacote maior, um outro envelope, menorzinho, de cor branca. Nele estava guardado, como fazem os forenses com suas provas, um fio de cabelo longo e loiro. Amélia, que tinha os pêlos grossos e negros, recebera do advogado da irmã toda a ajuda jurídica necessária. E só depois de duas semanas foi que Chico encontrou, junto aos entulhos dos trâmites legais, um telegrama:<br /><br />“Eu sempre soube de tudo, de todas. Agüentava por amor. Mas na nossa cama? Não tenho sangue de barata. Adeus.” <br /><br />Nem sombra de veneno houve na estória... Pelo contrário! Amélia se casou com um francês, podre-e-meio de rico. E foi o nosso homem, amargo e desiludido, quem atentou contra a própria vida: atirou-se, coitado, do alto da Rio-Niterói.Norbert Stranhohttp://www.blogger.com/profile/13756856414397403463noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-2757658244001539344.post-16420791493332047002010-04-19T17:15:00.000-07:002010-04-20T17:42:17.754-07:00Yard Bird in VeinsJust a rotten carcass, a few walking scraps sniffing out for something to shoot up in. And he was not the only prophet seeking visions in the Manhattan’s swamp of needles: one thousand fleets, along with their illuminated crews, sunk in those poisonous mud seas. <br /><br />A business man jumps out from the mist. “Peace for sale”, he said. Besides the effects in trembling hands, there is no better medicine for peptic ulcer pains, annoyed lungs, unpleasant thoughts… <br /><br />The dream powder is a bit of desirable death. Pity we can’t put it exactly where we want. Oh, it’s done! <br /><br />And there he was. Trickling down the streets, testing, after a couple pinpricks, how soft can be the sidewalk beneath his feet. Eyes half-shut, an almost audible melody springing out of his numbed throat, the black fingers moving in response… <br /><br />Perhaps obscure places are cozy for some souls. Perhaps inspiration means nothing but a necessary alignment between two worlds so a bridge can be settled. Perhaps a genius is one that can easily turn himself inside out. And the mess can be contagious: brilliant minds always give us something like the taste of their disease… <br /><br />That night on 52nd St. was memorable. Goddamned sweet trauma… I’m still searching for my guts. The holly ripper! Charlie Parker was his name.Norbert Stranhohttp://www.blogger.com/profile/13756856414397403463noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-2757658244001539344.post-86765045510074079282010-03-29T18:04:00.000-07:002010-03-30T09:02:33.009-07:00Sob o céu da JulianoOs levantes raramente atingiam tamanha proporção. Vez ou outra tinha início um quebra-quebra no refeitório, se ateava fogo num colchão e só. Mas aquele foi um badernaço dos grandes. Enfermeiro é bicho ruim, tem critério pra sarrafo não: romperam até o baço dum catatônico, pode? Quanta injeção, quanta gente gritando de choque na cabeça... Que horror. <br /><br />Luiz conheceu Babi nesse dia. Mesmo impregnado, correu pela colônia, se embrenhou na trepadeira de flores azuis. Não tinha espinho ali que magoasse o homem. Luiz no meio da tormenta, contente feito pinto no lixo. Arrancou a roupa fora, comeu terra, riu da chuva. Um ziguezague sábio, devir completo. Daí o muro na frente dele: caiu Luiz no pátio das mulheres.<br /><br />Ela ali, debaixo daquele temporal, encolhidinha num canto. A cabeça careca e bêbada, duplamente marcada pela brutalidade médica. Luiz faz carinho, diz que é pra ela não chorar, que um dia ela vai poder voar e tudo ficará bem. Luiz, bom de estória que é, contou do mundo. Ali não tinha espelho, batom, nada. Mas ela se sentiu bonita, o flerte do moço tão doce... <br /><br />Luiz é “doente mental”, dizem. Ficou assim porque a filha morreu. Babi é subversiva, presa política. Agrado de pele começando e ela pensando se aquilo era certo. O corpo tem vida, ora. Mesmo afogado em Haloperidol. Por meio do gozo, uma aula de desvanecimento: a velha que morreu de sede na enfermaria, a matilha de lobos brancos a currar as internas... Lembranças que somem; pesadelo que pausa. Socos e pontapés pelos corredores. E lá fora, com direito a Santa Bárbara e São Jerônimo, um encontro invisível sob o céu da Juliano. <br /><br />Parece que os terroristas assaltaram um banco importante, algumas mãos foram devidamente molhadas no hospital. Babi acabou “fugindo”. Outro que escapou depois foi Luiz, mas por conta própria. E não é que os dois se esbarraram na cidade? Babi bem melhor, abraçou o Luiz, chorou muito. Disse que ia voar em breve, igual ele tinha falado. “Nem México, nem Argélia... Vou pro Chile, pro Chile do Allende!”<br /><br />Babi levou Luiz pra tomar banho na casinha da Rua Alice. Luiz disse que gostava muito de xampu, cama, fruta, de refrigerante e do mar. E que ele só ficava assim, sujo e aflito, quando cismava com uma coisa muito triste que havia acontecido. No chuveiro, Babi beijava o corpo de Luiz como se aquilo fizesse parte da limpeza, tentativa de lição acerca do direito de esquecer.<br /><br /> As torturas e as resistências não têm medida. Vai saber quem aguenta o quê e o tanto. Babi pensando se a nau dos loucos, com a vela que for, desembarca nalgum porto. E agora foi Luiz quem chorou. Fruta sem gosto, xampu sem cheiro... E tome soluço a tarde toda. Babi fumando na janela. Foi uma broxada muito honesta. <br /><br />Atrocidade na moda pelas bandas do sul: deu setenta e quatro e Babi teve de sair fugida outra vez. Coitada. Rumando pra Europa ela mais o filho pequeno, os dois só com a roupa do corpo. Hoje é arquiteta e ainda manca daqueles tempos. Luiz morou na rua. Pneumonia, fome... Teve o seu punhado de morte em vida. Depois virou pescador, a cuca quase sã. Muito ainda chora pela filha. Cama, refrigerante, tudo se desfaz no desespero. Menos o mar. O mar nunca.Norbert Stranhohttp://www.blogger.com/profile/13756856414397403463noreply@blogger.com0