quinta-feira, 11 de março de 2010

Trevisiana

Foi sem mais nem menos, seu moço... De repente, sabe? O sim ele já disse foi mais de três vezes. Casamento é salgado, quem não sabe disso? Inda mais o Zé, que teve tantas antes de mim... O homem saltava de barraco em barraco caçando quem não falasse da pinga dele. Largou cria nesse mundo, parece que quatro ou cinco. Coitada daquela outra uma. Lavando pra fora, os dedinhos surrados, já viu como fica? O punho também estraga. E o Zé descendo as pensões pela goela. Se falido, tomava fiado, secava até garrafa macumba. Eu, por benção do senhor, vim ao mundo com o bucho podre. Trazer alminha pra apanhar já desde cedo, jogar menino nesse mar de vara de marmelo? Deus que me livre.

O Zé me engabelava fazia tempo. Chegava em casa cheirando à pouca vergonha, só queria o de comer. “Não tem janta na casa dela? Feijão de meretriz é ralo?”, eu perguntava. Coitada de mim, as bochechas inchadas da mão do Zé. Feliz era o dia que a embriaguez pesava forte. Aí eu dava nele: bassoura, garfo de passar bife, vaso de flor... Tudo, tudo. Faltava um rolo de massa lá no meu cafofo, daqueles de filme... Você já viu um de verdade? Nem eu. Meu macarrão já vem feito no pacote.

Olha... Eu sempre dizia que o Zé não era uma pessoa ruim. Só quando aborrecido, né? Pois então. Sabia ser meigo, uma vez me comprou até um estampado. De loja, hein? Dirigiu ônibus, vendeu na feira, carregou tijolo. Trabalhando ele ficava manso, via novela mais eu. Bem sabia do agrado que deixa a mulher feliz. Segurar um tempo bom no batente é que era difícil. O capeta falava no ouvido dele, carregava o homem pro bar. Daí tome cachaça, tome despesa, tome corte no olho... Um vizinho meu teve dó, veio oferecer ajuda. Azevedo era o nome. Falava calmo, sempre de terninho, o livro preto debaixo do sovaco. Precisa mais? Não é que o Zé me vira crente!

No começo foi um alívio. O Zé parou quieto, passou a botar comida na mesa. A madame enxergou no meu rosto, notou que algo me tinha acontecido: o serviço rendeu! Até promessa de aumento eu escutei. Só que tudo que sobe... Desce! É ou não é? Eu não agüentava mais cantoria na igreja, ouvir falar disso e daquilo outro, ter que usar tal e tal roupa, não ir pra ali nem pra acolá. Amor era só no escuro. E como é que faz igual no livro se a mulher não pode dar fruto? Maria Santíssima, o José deu pra pirar a cabeça...

Esse povo oito e oitenta, conhece? Zé que nem um furacão. Cana eu não sei como não pegou. Fez uns biscates, mexeu com bicho, com roubo, com tudo. A lata sempre cheia, Doutor. “Um dia inda morro desse Zé”, pensei. Daí aconteceu, seu Peçanha... O Zé tava raivoso, escumando feito cão. Quem me conhece sabe dessa carcaça aqui, ó, toda roxa de safanão. E já tava o livro em cima da cama outra vez. Maldição. Eu não dava mais conta, a estória ia começar de novo. Me resolvi: peguei a navalha reservada às inimizades dele... Feitorzinho de costas pra mim, metendo a gravata pra se fazer de santo. Cortei o Zé, Delegado. Feito fiambre. Sou adivinha? Sabia eu que homem morre fácil assim? Desgracido...

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