sábado, 22 de maio de 2010

Puta Velha

– Ô, nhá Maria...
– É o quê?
– Seu filho aqui em baixo.
– Sem graça!
– É, ué. Rapaz moço, o cabelo um sebo só. Diz ser seu filho.
– É filho não, trem. É cliente. Negócio de mãe é tara.
– Cada uma!
– Tem jeito? Mania de mãe, porra...

terça-feira, 18 de maio de 2010

Rodrigueana

Nosso Homem

Francisco não era lá nenhum santo. Contudo, exagerado seria se elegêssemos, entre os traços de seu caráter, sítio destacado para a infidelidade. Suas escapadelas ligavam-se diretamente ao enfado conjugal, à perene agonia do arroz com feijão. Das aventuras, nosso bom homem tirava o ânimo para a reparação, prática que, diante das almas verdadeiramente compreensivas, lhe rendia a fama de esposo devoto. É possível detectar no adultério, sim, uma espécie de zelo oculto. Mas as minúcias se fazem necessárias, do contrário tudo não passaria da mais cínica das justificativas...

– Se não é o contador mais alinhado do estado da Guanabara! Um pão!
– Dona Carla...
– Sua loção pós-barba, Chiquinho... Bole comigo de um jeito, sabe? Tu em Botafogo... E eu sinto da Urca!

Francisco desconversou, foi forte. Problemas em casa ele tinha, claro. Mas não se pode abdicar dos freios, ora pipocas! Menos por culpa do que por ordem. Grita-lhe nos ouvidos a patroa e já brota nele a idéia da amante? Um desgosto aqui, outro acolá, e já toma nosso homem o rumo do motel? Os estratagemas aparentemente escusos da boa administração matrimonial não devem ser movidos pela fraqueza da carne. “Pouca vergonha? Nunca!”, bradava Chico. Amélia era beata, não merecia judiação. Se Francisco se deitava com outra, pode anotar: era para salvar a pátria, caso de vida ou morte.


Caso de Vida ou Morte

Começou com uma pequena implicância, mas logo tomou dimensões preocupantes: Amélia passou a não tolerar a sinuca de sexta-feira.

– Pois eu lhe digo que ali não é lugar de respeito! Na semana passada, eu tive de explicar à Laurinha: “Ás sextas não costumo passear, Francisco chega cansado da repartição. Não gosta de acumular serviço para a semana seguinte, entende?”
– Amélia, meu benzinho...
– E eu me perguntando se a Laurinha não sabe da verdade, que meu marido não me leva ao cinema porque prefere freqüentar um antro de biscateiros, de boemia, de jogo... De jogo, Francisco Amaral! Eu não admito...
– Não é jogo, Amélia, é sinuca... Não tem aposta, não tem nada. Todo homem precisa de um tempo, de um...
– Tempo? Foi isso que o Augusto pediu pra Roberta! E o tempo virou “desquite”... E você sabe que eu prefiro tomar...
– Eu sei, eu sei. Prefere tomar um copo de veneno a se desquitar. E que em caso de adultério...
– VE-NE-NO-DE-RA-TÔ!

Deu sexta-feira e Francisco não foi à sinuca, mas ao municipal. Carmen, quinta fileira, bem no meio: os ingressos lhe custaram os olhos da cara. Amélia só pensava em conhecer a Espanha, a imaginação divagando nas touradas... E a cabeça do marido na sinuca, na cerveja, na amante. Qual seria daquela vez não importava. Para suportar as sextas vindouras, era preciso que Francisco deixasse claro para si: “Não sou um pau-mandado!” E essa mesma direção tomou seu sábado.

Alegando estar indo para uma partida de futebol, Chico rumou para o bar do Joaquim, no catete. Graças à amizade que tinha o portuga para com Chico, não houve custos ou coisa do gênero, tudo acertado na maior camaradagem. O espaço fora reservado quatro dias antes. No segundo andar, esparramada sobre a mesa de sinuca e trajando nada mais do que a própria pele, estava Betina, “A malvada do Jóquei”. Antes de partir, enquanto abotoava as calças, proferiu nosso homem em alto em bom som:

– Olha aqui, você não me inventa de fazer besteira, de me procurar ou coisa parecida... Eu sou casado! E tem mais: eu só traio porque amo, ouviu bem? Porque amo!

O fetiche logrou êxito. Na sexta seguinte, Francisco fez questão: não por acaso assistiram à outra ópera, dessa vez foi “Turandot”. Amélia só pensava em conhecer a China, devaneios se perdendo em vastos reinos. E a fantasia do marido pairando sobre o leito doméstico, antevendo a hora da pergunta: “Quem é que manda aqui? Vamos, diga! Quem é? Hum? Quem?”


Ética

Ela o abordou no baile:

– E daí que não te conheço? Nutro por ti uma imensa admiração! Suas feições me são novas, mas os seus feitos... Sou amiga da Carla, ora!
– Carla?
– Parece que você faz o imposto do marido dela, o que mora na Urca...
– Ah, a mulher do milico?
– Um trouxa!

Por amor, de cerca nosso homem pulou um punhado ou outro. Morreu a tia avó de Patos de Minas; E lá se vão duas pra três semanas perdidas, o tal do luto enlouquecendo Francisco. Depois foi a irmã rica de Amélia que se hospedou no apartamento; E Francisco agüentando coice atrás de coice. “Se aqui nada presta, por que não fica ela no Copacabana Palace?” Tantas preocupações, tantas providências... Por que haveria ele de dar nome aos bois, às soluções? Antes o machismo à úlcera! Fátima, Beatriz, Angélica, Siboney... Melhor era não saber, bom mentiroso é aquele que se aliena da verdade. Afinal de contas, era isso ou o tal copo de veneno...

Acontece que naquela ocasião não havia problema algum, nada que o afligisse. Pelo contrário: sua cunhada levara Amélia para fazer compras no estrangeiro, o que para Chico significava gozar de uma liberdade ímpar. Mas a pequena insistia em o perseguir pelo salão, a tentação em pessoa cravando-lhe as unhas no braço: “Vamos! Que mal tem?” E Chico: “Não posso, não dá!”

O uísque pesando cada vez mais:

– Eu cuido de você direitinho!
– Eu tenho quem me cuide...
– Cuida? Largou-te aqui e foi para Europa...
– Mas ela foi com a irmã, pombas! Com a irmã eu não iria, aquela megera...
– Vem comigo, então...
– Sem motivou eu não dou conta, pode ser até que me falte o vigor...
– Impossível!

Pela primeira vez levou Francisco uma outra para casa. Mesmo sendo grande o pileque, Chico sabia estar incorrendo em grave erro. O peso na consciência crescia na medida em que Paula tecia e lançava seus comentários estapafúrdios:

– Me fale de sua esposa.
– Por favor, Paula...
– Ela está em Paris? É boa no que faz? Tem faro, desconfia de você?
– Agora não, carambolas! Mudemos de assunto, sim?
– De que lado da cama ela dorme? É ela nesse retrato?

Francisco deu um jeito na moça. Aliás, que jeito! Aliás, que moça que nada! Paula: “Mais, mais!” E Chico: “Temos a noite inteira!” E ela: “Não! Quero muito... Outros dias, outras vezes!” Ele: “Está maluca? Sou casado! Se Amélia toma conhecimento dessa pouca vergonha, é batata... Se suicida, a minha santinha.” Enquanto falava, Chico apertava com força a garganta de Paula, quase a estrangulando. Procurava sublinhar sua regra de ouro: “Uma vez e nada mais! Senão te dou um sumiço... Eu te mato!” E, naquele exato momento, Paula sorriu, esvaiu-se em um prazer absoluto.

No dia seguinte, pela hora do café, os vizinhos ouviram um pranto. O choro urrado vinha acompanhado por gritos:

“Eu não tenho éticaaaaaaaa! Um pingo de éticaaaaaaaaaaaaaa!”


Às avessas

Francisco, até então, não se esquecera de Paula. Segundo ele: “Minha única deslealdade!” E, quando a encontrou pela primeira vez após a tal noite, uma surpresa: a pequena seguiu à risca as recomendações que lhe foram feitas. Nem sequer uma espiadinha de canto de olho. O cumprimento foi apenas formal, mas para Chico aquilo soou como frieza. E nosso homem se arrependeu de ter sido tão enfático...

A verdade é que Francisco acabou por se transformar. As outras: “Meu marido foi pescar...” ou “Não me dou com os números, uma ajudinha viria bem a calhar...” E Chico, ao invés do bom e velho “Nem em sonho!”, “Isola!”, passou a soltar: “Assim você acaba comigo”, “Ai, meu Pai...”, “Lascou-se!”.

E então, numa tarde de sábado, a bomba: Francisco chega do futebol e encontra a casa de pernas pro ar, uma bagunça que só. Inicialmente, pensou estar diante da cena de um crime, mas logo percebeu que muitas coisas de valor não haviam sido levadas, e que tão pouco demonstrava a fechadura algum sinal de arrombamento. Em cima da mesa do escritório, um envelope pardo. E foi o conteúdo do mesmo que levou o nosso homem a nocaute, o fez beijar a lona: eram os papéis do divórcio.

Havia também, dentro do pacote maior, um outro envelope, menorzinho, de cor branca. Nele estava guardado, como fazem os forenses com suas provas, um fio de cabelo longo e loiro. Amélia, que tinha os pêlos grossos e negros, recebera do advogado da irmã toda a ajuda jurídica necessária. E só depois de duas semanas foi que Chico encontrou, junto aos entulhos dos trâmites legais, um telegrama:

“Eu sempre soube de tudo, de todas. Agüentava por amor. Mas na nossa cama? Não tenho sangue de barata. Adeus.”

Nem sombra de veneno houve na estória... Pelo contrário! Amélia se casou com um francês, podre-e-meio de rico. E foi o nosso homem, amargo e desiludido, quem atentou contra a própria vida: atirou-se, coitado, do alto da Rio-Niterói.