segunda-feira, 3 de janeiro de 2011

Hormônio e Penitência

Catarina é cria de um sítio inóspito em afeto, mundão áspero de tanta insciência. Lá vai a menina, doze pra treze, a penca de porquês em branco se arrastando pelo chão. A freira segue atrás, vai por a interna na cama. Todas elas dormem assim, grampeadas. É ordem da madre superiora: as meninas devem ter seu vestido fixado ao forro do colchão. “Não pode virar de bruços, Catarina. Deitar-se assim é pecado, estimula os seios...”

No Sacre Coeur de Marie tem aula de francês, de piano, de bordado, de silêncio. As irmãs e suas réguas: métrica boçal do interdito e do castigo. É injusto o quinhão de ferida... Ontem, Catarina foi pega fora do leito, estava a brincar com a colega. O joelho no milho, a cabeça na noite. Não, não tem culpa nenhuma ali. As freiras também se tocam, Catarina sabe. Reza pra quem essa menina? “Senhor Jesus filho da puta...” Mordisca os beicinhos, pede ela a graça de um milagre torto.

Catarina cresce. É um desatino que vai pegando, é a tal da ânsia. Hormônio e penitência. Nossa menina fita um grupo trabalhando em uma contenção, o olhar da pequena pousando num rapagão vistoso, um que deixa escapar assobios por debaixo do bigode. O moço limpa o suor da fronte enquanto caça um acaso: em quem que a vista desse um bate? Catarina palpitando, e não é pela aritmética. À noite são dois palitos para a praia, para o alojamento dos obreiros, para dentro daquela coisa que a gente sente como um absoluto. A menina gatuna, o muro do internato ficando baixo. Uma. Duas. Três e se acostuma, toma gosto por aquele fazer. Corpinho nu ofegante. E o moço do lado, a boca grossa capixaba soprando canto de congado pelo escuro afora. O Espírito Santo, naquela época, era mais vadio um pouquinho. Mas foi curto esse tempo. A encosta ficou segura, lá se foram os homens da ilha.

Catarina disse para a professora que estava doente, que há dois meses não fazia uso da toalhinha higiênica. Pois não é que mandaram a menina para o continente? A agulha do doutor picando um bracinho, tudo meio embaçado. Foi só tirar o curativo da vagina que a sangueira doida foi descendo, suco de guri no vaso sanitário. Faltavam as páginas sobre reprodução no livro de biologia, o saber já vinha amputado pelas freiras: para Catarina, aquele capítulo faria o sentido do vermelho negro em suas coxas.

Catarina para fora do colégio. Expulsa ela não podia ser, que o pai rico doava quantias ao convento. Foram as irmãs do colégio que a convenceram de que ela não queria mais estudar. Deus e os exílios. Mas Silvio, homem sério que dava peso ao valor da verdade, não podia ter ciência da mão religiosa dessa desistência. A menina espremida entre as palavras de ordem. Qual pai se desagrada mais nessas horas?

Catarina na ponte. É a ponte e é o rio: espremida outra vez essa uma. A vida também é vertiginosa, não é qualquer um que pula. Catarina casou. Teve cinco filhos, um pouco de amor e um punhado de hematomas. Ainda vive por aquelas bandas. Ainda se lembra do moço que assobiava Ademilde Fonseca. Ainda toca piano. Ainda acredita em Deus.

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