quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

Sobeixos, sobejos, etc.

Os buracos são ermos, mas nem tanto. Lá vai Venâncio, degrau por degrau, jubiloso por sentir o odor de urina dormida eriçar seus pêlos da nuca. Venâncio gosta. Segundo ele, os habitantes desta cidade vil podem ser classificados em dois grandes grupos: os que, ao cruzar as sombras dos corredores, apertam o passo, e os que vão mais devagar, delongam-se em apreciação. Ama tudo que é lúbrico, este rapaz.

É preciso reinventar os nomes, pensa. Estes subterrâneos são chances, possibilidades. Paredes pichadas, bueiros, um tanto de lixo e algumas ratazanas: constelação para se montar uma incubadeira de afetos. Lá vai Venâncio, no estômago um auspício. “Encontrem-me, quero ser tomado!” Isto não é lá uma passagem, é algo que fica, que dura. Em cada toca imunda há um pedaço que lhe pertence. Vedes aquela camisinha usada atirada ao chão? Ele fez ela, ela faz ele.

Os vultos se esbarram à noite. Pode ser bom, pode ser ruim, pode nem ser. Depende do esbarro. Venâncio e a violência. Limite, fronteira, teste... Cada qual com a tortura que lhe convém. Está acontecendo agora mesmo. Nem uma palavra sequer: esbarro, entende? É um medo, um tesão, gozo xeque. Encostado na parede, sendo penetrado e pensando na mamãezinha – pode acreditar, não é culpa nem tara. É vingança.

Tinha sete anos e não entendia muito bem. O vizinho era de confiança, tomava conta do garoto. “Olha aqui, Venâncio, vou te ensinar um jogo...” A mãe ia trabalhar de manicure. Lar doce lar: ser cuidado, ver desenho, tomar refresco, e vez ou outra ter o rabo comido. Doze anos e entendia mais ou menos. Vieram crises, ataques. “Tomou o remédio, Venâncio? Abaixa a cueca. Isso, vira, vira...” , De quando em quando dormia naquele quarto. Era hospital? Dezessete e... Entender o quê? Já viram a libido amadurar num lodaçal? É isso e pronto. Lá vai Venâncio: desvantagem é a condição do seu pau duro.

Fecha o cinto, suspira e segue. Na parede, um cartaz: “Cursos Técnicos.” Outro mais à frente diz: “Fique sabendo, hiv/aids.” E outro: “Jogam-se búzios, põem-se cartas.” Anúncios, prenúncios, anúncios de prenúncios. Diriam estar fora dos eixos a vida desse rapaz. Mas é irônico. Por cima desta pista, segue pro trabalho todo santo dia. Por baixo – em dias nem tão santos –, segue para o perigo do qual é refém. Lá vai Venâncio, sob ou sobre. Vivendo, morrendo e entoando: à merda, civilização.

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