segunda-feira, 14 de março de 2011

O Sr. Moura

O senhor Moura é, como ele mesmo coloca, um enxergador de verdades. O sujeito que quer aprender a separar o joio do trigo não pode se afeiçoar por demais às branduras da vida. Isso também foi o senhor Moura quem disse, ele diz um bocado de coisas. Sim, é bronco no talo, quem conhece a peça sabe muito bem. Daí que não é surpresa ser ele um animal de poucas companhias. Mas o senhor Moura, não raramente, espraia um facho de lampião nesse negrume perene que é o mundo. Seu verbo firme tem arrumado a barafunda de muitos cocos por aí. Da embolada sai ônus e bônus; vem malquerença, vem o peso dos bocados em seu bolso.

Aforismo N°1 do Sr. Moura: “Todo homem é um assassino, mesmo aquele que pede licença antes de enfiar a pica.”

O senhor Moura agencia garotas. Tem a parte burocrática, que consiste em arrumar uma clientela razoavelmente distinta, e tem também a fatia braçal da coisa, já que e o próprio senhor Moura quem dá cabo dos mal entendidos. Vejamos: um bacana querendo curtir com as donas. Sujeito polido, mil poses frente à lente da distinção. Mas a noite, cedo ou tarde, escancara sua bocarra. A farinha se acumulando no cocuruto da razão, os ânimos celebrando todas quantas são as hipérboles descabidas... Se não é equívoco de butuca, ali, a um passinho só da figura, então eu não sei o que é. Aconteceu. O senhor Moura se faz entender, evita prolixidades:

— E desde quando, seu piolho de estrume, amassar cara de puta faz o pau subir?

Pronto. Mais um engravatado alocado nos eixos, urinando vermelho e tomando sopa de canudinho. Por essas e outras, a porção carpada das raparigas é gorda.

— Quem arranca a mais-valia duma ordenhadeira de porra não pode ser chamado de herói. Nem de protetor. Não forneço segurança, o prevenir fica a cargo do látex. Mas o remediar é comigo mesmo, ofereço paliativos em doses variadas. E a preços nada módicos, confesso. Neste ramo, é de praxe a terceirização da vingança.

Aforismo Nº2 do Sr. Moura: “Um leão que sempre comeu cenoura continua sendo um animal carnívoro.”

O senhor Moura, tendo em vista o muito chão que rodou, desenvolveu um bom faro para espécies iníquas. Jogador de futebol em suíte de hotel cinco estrelas? Melhor esperar lá em baixo, às vezes complica. Personalidade carimbada exigindo discrição e marcando encontro em cabeça de porco? Olho vivo, capadócio. Se o bolo desanda, é bom estar a postos. Cliente gordinho, do tipo calmo e de suspensórios? Desses que pagam mais, fazem carinho e chamam para jantar? Pode escrever: vai dar merda.

— Sabe como é... Ele dá bom dia ao vigia da rua e o chama pelo nome; Compra um violino e um pônei para consolar a filha diabética; Pinta miniaturas de embarcações do séc. XVI enquanto leva o casamento no sapato, um traveco aqui, outro acolá... Mas tudo isso é só até a hipoteca vencer. Daí o carequinha pira, resolve desembestar para um motel e espalhar as tripas de uma vagabunda qualquer pela parede. Adianta bagunçar o rosto de um sujeito desses? Existe castigo para quem vira gente pelo avesso? Quem sacaneia com as entranhas de alguém não tem, geralmente, muito a perder. E a megera castradora que ele guarda em casa? Se não dá para evitar a catarse, que vá ele fazer arte moderna no bucho da própria puta. Não, esse tipo eu veto.

Aforismo Nº3 do Sr. Moura: “Todo aforista acaba descobrindo que umbigo é um problema seriíssimo.”

O senhor Moura vive em constante vigília. Tão acostumado com a tarefa de credor, perdeu o tempo da hipoteca de seu próprio corpo. Com o ópio primordial fora de seu alcance, Moura passou a pesar na mão, na dose de tudo quanto é coisa. “Essa bala aqui é para alinhar os meus pensamentos”, ele diz. “Pense nisso como um seguro dignidade”.

— O sexo é causa e conseqüência da dívida. A dívida é causa e conseqüência do erro. O erro é causa e conseqüência de quem não percebe as duas relações anteriormente citadas. E isso, veja bem, porque o sexo é um remédio sem o qual não há carcaça que perdure. Não é à toa a cobra da medicina, sanando e matando em seu fálico desfile sobre o fio da navalha. Mas cuidado com o esforço: a vida, em si, já é um paradoxo fatigante.

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